Diário do Nordeste
23/03/2017
Metade das 152 crianças assistidas são filhas de mulheres detidas no Instituto Penal Desembargadora Auri Moura Costa ( Foto: Thiago Gadelha )
Com trabalho único no País, a entidade realiza campanha para a compra do imóvel onde funciona há 23 anos.
Um ambiente de entrega e doação às necessidades do próximo. O amor supera as dificuldades e se renova a cada brilho despertado no olhar das crianças. É nesse cenário que, há 23 anos, a Creche Amadeu Barros Leal, no bairro Jacarecanga, em Fortaleza, atende crianças em situação de vulnerabilidade social até os quatro anos de idade. Metade das 152 crianças assistidas são filhas de mulheres detidas no Instituto Penal Desembargadora Auri Moura Costa. Com o trabalho de acompanhamento nutricional e pedagógico, a instituição é referência em nível nacional, uma vez que nenhuma outra creche oferta atendimento a crianças com este perfil.
Contudo, a creche também acolhe moradores da própria comunidade. De segunda a sexta-feira, entre 7h e 17h, as crianças recebem cinco refeições por dia, entre desjejum, lanhe (manhã e tarde), almoço e jantar. Os alimentos servidos são monitorados por uma nutricionista que adapta o cardápio conforme a faixa etária de cada criança. Já em sala de aula, os pequenos participam de atividades socioeducativas com o auxílio de uma professora e uma auxiliar. Atualmente, dois projetos voltados à vida saudável e higiene pessoal seguem em andamento.
Cuidado
Aos completar quatro anos de idade, as crianças são encaminhadas para escolas públicas. Um momento em que, segundo a coordenadora pedagógica e administrativa, Iolanda Moreira, 60, se torna doloroso, já que o laço afetivo construído diariamente com as crianças vai ser interrompido. "É cruel porque a gente sabe que lá fora eles não vão ter todo esse cuidado. Nosso trabalho é levado com muito amor e, quando eles saem, o coração fica triste". No entanto, Iolanda explica que, para facilitar a adaptação nesta nova fase, as crianças recebem acompanhamento dos professores da creche. "Eu, pessoalmente, marco com a diretora e mostro o espaço que eles vão começar a estudar".
Além de fornecer vagas para filhos de presidiárias, a creche também promove um trabalho de ressocialização com mulheres que cumprem pena em regime semiaberto na penitenciária feminina. Elas são encaminhadas pela Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso (Cispe), da Secretaria da Justiça e da Cidadania do Ceará (Sejus). Cinco detentas estão trabalhando na limpeza.
Quando elas chegam à creche, passam a ser avaliadas quanto aos serviços prestados. Fatores como pontualidade e assiduidade são diariamente observados pela coordenação da entidade. A reintegração dessas detentas por meio de atividades profissionais tem contribuído também para melhora nas relações interpessoais, como avalia Iolanda Moreira. "É uma evolução positiva e muito notável".
Ajuda
O terreno onde funciona a Creche Amadeu Barros Leal foi doado pelo Instituto Bom Pastor que pediu o espaço de volta. Para não comprometer a continuidade das atividades desenvolvidas, o presidente da casa, César Barros Leal uniu esforços através de um bazar realizado em dezembro de 2015 com produtos apreendidos pela Receita Federal. A ideia inicial era arrecadar dinheiro e pagar o terreno avaliado em R$400 mil reais.
Contudo, apesar do pagamento já está agendado para o próximo dia 3 de abril - data de quitação do débito e entrega da documentação do imóvel -, o valor em caixa é inferior à quantia solicitada. "Eles estão vindo de São Paulo para que nós possamos finalizar o processo de compra", diz César Barros Leal.
Com o objetivo de completar a quantia necessária para a aquisição do imóvel, artistas cearenses como Raimundinha, Adamastor Pitaco, Luana do Crato e Ery Soares se engajaram na campanha.
Nesta sexta-feira, 24, os humoristas realizam um espetáculo nas dependências do Cineteatro São Luís, às 19h. Os ingressos custam R$40 (inteira) e R$20 (meia). Toda a renda será totalmente revertida para a causa. Fora dos palcos, crianças e funcionários da creche esperam que a ajuda venha agora através do público.
Protagonista
Trabalho como ferramenta de reintegração
Após ser enquadrada no artigo 157 por assalto, Sueli Guimarães, de 43 anos, cumpriu pena durante três anos e oito meses no Presídio Feminino. Hoje, ela vê na oportunidade profissional a possibilidade de melhorar ainda mais como ser humano. "Com as crianças da creche eu aprendi a ser melhor. Aqui, nós somos uma família. No lado pessoal, eu cresci bastante".