CONFIRA TAMBÉM
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Como representante autêntico da moral e do cinismo interpessoal, sensível, simples, irônico e crítico em delírios dissimulados a narrar a própria trajetória, com o sutil senso comum de galhofeiro, que não desgasta a tinta da melancolia de satírico, surgia pela rua a caminho de sua residência. Aquele ser frágil e insignificante, sem saber por que, de repente transforma-se num bicho absurdo e aterrador. Tudo somente ocorria ao adentrar na esquisita rua, que fazia caminho a sua residência. Porque, misteriosamente, o seu corpo arrepiante começava a liberar gases estranhos, nauseabundos e nocivos e, para deixar todos os moradores do vilarejo amedrontados, com inexplicáveis mudanças existenciais. As pisadas que eram lentas e quase silenciosas, transformavam-se nas pisadas de um superdinossauro, a sacudir a terra. Que só se ouvia o som das chaves fechando as portas, e janelas batendo, e vozes em sibilos pedindo silêncio. Como se todos já soubessem que era o franzino e pequeno velho Comunista, que passava por aquela rua. Dali por diante, não se ouvia mais relinchos de jumentos, cantar de galos e nem apito dos vigias das casas dos coronéis. E nem dos botecos, ouvia-se o tagarelar dos bêbados e dos boêmios. Todas as radiolas paravam de tocar Nelson Gonçalves. Todos os botecos fechavam suas portas. Ninguém mais ficava na rua. O vento sonoro sumia com os pássaros noturnos, com os ratos e os com os gatos. Os cachorros no alvoroço dos latidos sumiam em correria, como chicoteados por algum louco. Nenhum andejo, mendigo e notívago se aventurava seguir o mesmo caminho do velho Comunista. E nenhum vira-lata teimava em passar mais naquela rua. Quando o Comunista voltava para casa, no sereno da boca-da-noite, tudo a sua frente, fazia finca-pé com medo do tão franzino pedaço de homem. Ninguém sabia do mistério aterrizador daquele simples Comunista. Nem o mais valente, cruel e desalmado assassino, tinha coragem de enfrentá-lo, nem mesmo na covardia do revestrés. A burra-de-padre quando via o velho Comunista, passava o resto da noite dando voltas ao redor do cemitério e da igreja. Todos os bem-te-vis tinham medo dele. Pai-de-chiqueiro tremia igual a ganzá de cego, e sumia em disparada. Velhas cachimbeiras se benziam boquiabertas. Até a aragem passava rápida pelas árvores, que paralisadas, não balançavam uma folha. O silêncio era total. Somente suas pisadas como os gigantes Nefilins, que co-habitaram a Terra nos tempos passados, estremeciam o chão. Nenhum mama-na-égua se aproximava para pedir fósforo para acender o cigarro. Nem um perigoso assassino, para cravar-lhe um punhal nas costas. Nem os valentões Bom-Bom, Biró-do-Papa-Sebo, Chico da Laudiêta, Goía, Gastura, Fonfom, Luiz da Ensebada, andavam por aquela rua. Todos temiam a passagem do Comunista. Policial Amador, pistoleiro Nilson Cunha, Cabo Guedes, Catanã, famigerado bandido fugitivo da Antiga Cadeia Pública de Fortaleza. O destemido Chagas do Couto, viado João Guilherme, Sapatão Bunda-de-Couro, macho-feme Sucupira, agigantado Joaquim Féliz, todos temiam o Comunista. Que não usava peixeira, revólver e nem punhal. Apenas, vez por outra assoviava baixinho caminhando com as mãos nos bolsos, dedilhando o rosário. Para ele não existia lengalenga com puxa-facas, molecagem com vizinhanças, nem desaforo para com os seus princípios morais. E até a lua da meia-noite, com a imensa cor de sangue, desfalecia amarelecida, com a passagem do Comunista por aquela rua. Até a luz do poste, vez por outra, piscava com medo do simples homenzinho. E ali, por onde passava de nenhuma casa se ouvia resmungo, tosse, choro de criança, gemido. Nem a voz perdida de algum bêbado, de um louco. Todas as luzes das casas se apagavam e não se ouvia uma palavra, nem de algum provocador. Nem armador gemia, nem gato miava. Nem latido de cão se ouvia naquela noite. E nenhum morador teria coragem de olhar pelas frestas das portas, das janelas ou do fim dos becos, para vê-lo passar. Até o velho lorel do Tio Joel, à manivela, que passava a noite com o motor ligado, com o Comunista ao chegar-se, o catatau de ferrugem estremecia como cachorro após o banho, e de repente, estancava nos requebros. Todos temiam quando o Comunista passava naquela rua. Que ao se aproximar de um poste, a luz tremia e se apagava de calafrio. E podia olhar para o céu, que não mais havia uma estrela. Até os vaga-lumes apagavam as suas luzes na escuridão. Os vigias das bodegas corriam para outras ruas. Quando vinha um carro com a luz acesa, em sua direção, de súbito, parava, dava marcha-ré e sumia cantando pneus. Nenhuma coruja piava. Silêncio se fazia completo. E quando se aproximava do alpendre de sua casa, a luz acendia. E logo sua mulher surgia envolta num camisolão, para abraçá-lo, mas, ao contrário, o velho Comunista, ali, mesmo, no meio da rua, como um louco, metia a peia na pobre desgraçada. E os vizinhos que tentavam socorrê-la. eram surrados impiedosamente. E os valentões que apareciam em socorro dela, o Comunista botava para correr. Todo mundo apanhava. E o inferno queimava as labaredas. Quando de repente, após a um vento frio, em meio aos ciscos, num funil de um redemoinho, a mulher do Comunista, desvendava o mistério do insignificante homúnculo. O terrível castigo da mulher do padre, que de tão bela, transformava-se na mula-sem-cabeça, e saía a vomitar fogo pelas ventas, relinchando, para amedrontar o povo do vilarejo.
.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de
Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e
romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo
das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem
Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura
e Arte.
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