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Existem coisas neste mundo, interessantes, bizarras, estranhas e por sua vez difícil de compreender e narrar como nesse caso patético que aconteceu na cidade de Russas, que ainda causa espanto e medo, pavor e curiosidade às ninfetas russanas. Ao desmascarar o falso moralista de expressão sardônica, no achincalhamento de louvores gratuitos, reverência de desonra e dedicatórias de humilhação, devidos os impulsos fatídicos de besta fera sedutor. No destacar-se como lobisomem ensebado, com horrorosa e grotesca comenda que o enalteceu nas memórias do conquistador do assombro. Pela grandeza iluminada de sua distinção de idiota, reverenciado como o sábio dos mistérios das chaves secretas. E com o imenso talento bestial de abrir as fechaduras enigmáticas das portas. Trata-se de uma história verídica, digna de ser lembrada como um dos fatos mais herméticos de transformação de um ser esquisito que assumia variedades de formas, e quando conseguia as condições ideais, surgia por traz da penumbra nos quartos das jovens consideradas as mais atraentes, que disputadas pela figura misteriosa, harmonizava-se iluminado pelo clarão dos corações em chama ao observar as donzelas nuas. Quem pensava que era o fantasma do Pe. André de Soveral, que costumava a assombrar o casarão de Francisco Felipe, na Pitombeira, o sobrado mal-assombrado de José Ramalho de Alarcon e Santiago, na Avenida Dom Lino e o casario do Manuel Anselmo, fundador do espiritismo em nossa terra, estava enganado. São poucas as casas mal-assombradas que existe em nosso município, mas como um vulto escorregadio e demoníaco, surgia na madrugada dentro das moradias russanas, como uma visagem lasciva, de corpo liso, nu e ensebado, que ninguém conseguia segura-lo. E as façanhas do lobisomem corriam soltas pela cidade. Não havia ninguém no vale jaguaribano que correspondesse à sua descrição, que deixou registrado uma das histórias e a mais fascinante dos admiradores da beleza humana, das mulheres, que o passado de Russas conheceu. Mas aquele ser esquivo de impulsos misteriosos, muito longe de ser um ladrão, um louco ou um deflorador, conhecido como ficou à época como o Lobisomem de Russas, era apenas o inofensivo Chico Ensebado, um simples chaveiro da cidade que morava na Travessa José Vieira, localizada entre o antigo Sandu e o Convento das freiras. Ensebado, de um dia para o outro, na simplicidade de sua profissão de chaveiro, com algo esquisito num olhar sensível de ternura, tornou-se um ser sutil, erótico e desconhecido, amante da beleza e da perfeição feminina. E como um exímio chaveiro, fazia chaves das portas das casas, uma para o dono e outra para ele, depois de experimentá-las nas fechaduras, guardava uma cópia. À noite, na morbidez dos corcundas sádicos, derretia o sebo, passava no corpo nu e saía pelas ruas a escolher a casa de uma bela mulher. E na penumbra penetrava com os olhos arregalados como de uma coruja no mistério dos contrastes assombrosos para somente admirar as moças despidas, a luz de uma vela no criado-mudo ou de uma lamparina perto do oratório. Ninguém sabia quem era o afamado Lobisomem de Russas, mas uma noite, ao observar uma jovem dormindo, e por ter sido delatado, vítima da traição de sua mulher, Joana do Ensebado, findou assim tragicamente a história do Lobisomem de Russas. A tão misteriosa e ensebada criatura, que ao abrir devagarzinho a porta com a chave dupla e penetrar no quarto onde já esperava a jovem, ela empurrou o pau-de-sebo, trancou-o no quarto e chamou a polícia. Chico Ensebado foi preso em flagrante delito para sua tristeza, e depois que o fantasmal delinqüente foi solto não ligou mais para Joana, sem esperar a sentença do processo criminal, o pau-de-sebo, Chico Ensebado sumiu da cidade e nunca mais em Russas apareceu Lobisomem.
.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de
Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e
romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo
das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem
Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura
e Arte.
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