COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

O ENTERRO DO ZEBIO

Airton Maranhão (in memorian)

11//2/09/0

Enviar por e-mail
Imprimir notícia

Em Russas existiu um monstro aterrador como presságio de gestos sobrenaturais e feições funestas, conhecido como Zebio e apodado de Estralacu, patético, mal encarado, sujo e fétido. A coisa mais horripilante dos seres excêntricos que se viu numa cidade do interior. Zebio de olhizarco estufado de sapo era uma assombração horrenda. Arrastava os pés cabeludos em rodopio e gargalhava como rasga-mortalha. Grotesco de apavorante bocarra, envolto em farrapos dava calafrio olhar a fera de repugnante bizarria. Sua feiúra descomunal de besta-fera, deformada de verrugas e mundrungas na cara, com os dedos das mãos e dos pés, mais pareciam grudados pelo fogo dos infernos. O bicho fazia tremer a língua nos espirros e nos pigarros. De olhar espectral, como robótico, girava em corrupio, nos redemoinhos das gralhas. Como protagonistas do seu enterro, lembramos: Gilberto Rodrigues, Bão, Welser, Weber, Luiz Orlando, João Alberto, Jaime, Zé Leudo, Cláudio do Foto Fortaleza, João Buema, Zé do Canário, Mamá, Vanderilo, Chico da Teté, Estácio e este escritor. Zebio morreu em casa, no caminho do Araújo, numa manhã chuvosa. Tonico emprestou o caixão que a Paróquia servia aos pobres. Ruindade trouxe o caixão de defunto na cabeça com uma garrafa de cachaça na mão, caminhado pela Av. Dom Lino, até a casa da Dona Osmira, onde esperava Lalá aos prantos. De lá, rumamos para o casebre e o encontramos estirado no chão. Lála chorava porque o marido não cabia no caixão. As pernas e a cabeça ficavam do lado de fora. Mesmo pesado, botamos dentro do caixão com as pernas e a cabeça de fora e amarramos. Sem poder carregá-lo, pegamos duas bicicletas e colocamos o caixão nas duas garupas. Empurrando o féretro em plena chuva, bebendo cachaça e Lalá chorando. Chegando à beira do Araibu as bicicletas escorregaram com o finado pela correnteza. Pulamos na água e arrastamos o caixão com o Estralacu e as bicicletas que mal rodavam os pneus. Lalá chorava com pena do Zebio e Chico da Teté troçava: - Deixa de besteira Lalá! Vai-se um Estralacu e vem outro! Chovia muito. Chegamos defronte da igreja matriz e o padre Pedro, da calçada, jogou água benta no defunto e entrou correndo na igreja. Zebio não pôde nem entrar no templo cristão e nem sequer teve uma simples batida do sino para avisar que havia morrido. Rumo ao cemitério, no caminho, paramos no bar do Diniz, defronte à bodega do Bizerrinha. Encostamos o defunto em pé na parede e ficamos tomando cachaça dentro da bodega. Ao meio-dia a mulher do Quilicério, indignada com a cena, questionou: – Vocês deixaram o defunto na chuva, para beber cachaça? Deviam ir para a cadeia! Zé do Canário antecedeu: - Se não fosse a Turma da Monsenhor, Zebiu ia apodrecer em casa. Lá não apareceu policial, nem padre e nem médico. Lalá implorou pelo enterro. Não apareceu ninguém. Russas não tem funerária. Coveiro bêbado dorme nos túmulos. Somente Tonico emprestou o caixão de defunto. A mulher do Quilicério confirmou: - Tem razão, Zebiu ia apodrecer! Ao chegarmos no cemitério, debaixo de uma forte chuva, arrastando o defunto nas bicicletas, não havia cova para enterrá-lo. Sem coveiro, cavamos uma sepultura nos fundos do campo-santo. Com a chuva a cova ficou redonda. Embiocamos Estralacu de ponta cabeça. Lalá pediu aos prantos: - Pelo amor de Deus! Não enterre o Estralacu de cabeça para baixo!  Chico da Teté gritou de dentro da cova: - Deixa de besteira Lalá! Vai-se um Estralacu e vem outro! Assim, fizemos o enterro da mais estranha criatura bizarra de Russas. Sete dias depois de sua morte, sem comer e sem beber, Lalá morreu com saudade do Estralacu.

Airton Maranhão

Advogado e escritor

Membro da Academia Russana de Cultura e Arte - ARCA

 

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

DEIXE O SEU COMENTÁRIO

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião da TV RUSSAS. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. TV RUSSAS poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

REDES SOCIAIS

  • Facebook
  • Twitter
  • Soundcloud
  • Youtube

©2009 - 2024 TV Russas - Conectando você à informação

www.tvrussas.com.br - Todos os direitos reservados