CONFIRA TAMBÉM
-
28/03/2019
-
06/02/2019
-
25/01/2019
-
23/12/2018
Em Russas existiu um monstro aterrador como presságio de gestos sobrenaturais e feições funestas, conhecido como Zebio e apodado de Estralacu, patético, mal encarado, sujo e fétido. A coisa mais horripilante dos seres excêntricos que se viu numa cidade do interior. Zebio de olhizarco estufado de sapo era uma assombração horrenda. Arrastava os pés cabeludos em rodopio e gargalhava como rasga-mortalha. Grotesco de apavorante bocarra, envolto em farrapos dava calafrio olhar a fera de repugnante bizarria. Sua feiúra descomunal de besta-fera, deformada de verrugas e mundrungas na cara, com os dedos das mãos e dos pés, mais pareciam grudados pelo fogo dos infernos. O bicho fazia tremer a língua nos espirros e nos pigarros. De olhar espectral, como robótico, girava em corrupio, nos redemoinhos das gralhas. Como protagonistas do seu enterro, lembramos: Gilberto Rodrigues, Bão, Welser, Weber, Luiz Orlando, João Alberto, Jaime, Zé Leudo, Cláudio do Foto Fortaleza, João Buema, Zé do Canário, Mamá, Vanderilo, Chico da Teté, Estácio e este escritor. Zebio morreu em casa, no caminho do Araújo, numa manhã chuvosa. Tonico emprestou o caixão que a Paróquia servia aos pobres. Ruindade trouxe o caixão de defunto na cabeça com uma garrafa de cachaça na mão, caminhado pela Av. Dom Lino, até a casa da Dona Osmira, onde esperava Lalá aos prantos. De lá, rumamos para o casebre e o encontramos estirado no chão. Lála chorava porque o marido não cabia no caixão. As pernas e a cabeça ficavam do lado de fora. Mesmo pesado, botamos dentro do caixão com as pernas e a cabeça de fora e amarramos. Sem poder carregá-lo, pegamos duas bicicletas e colocamos o caixão nas duas garupas. Empurrando o féretro em plena chuva, bebendo cachaça e Lalá chorando. Chegando à beira do Araibu as bicicletas escorregaram com o finado pela correnteza. Pulamos na água e arrastamos o caixão com o Estralacu e as bicicletas que mal rodavam os pneus. Lalá chorava com pena do Zebio e Chico da Teté troçava: - Deixa de besteira Lalá! Vai-se um Estralacu e vem outro! Chovia muito. Chegamos defronte da igreja matriz e o padre Pedro, da calçada, jogou água benta no defunto e entrou correndo na igreja. Zebio não pôde nem entrar no templo cristão e nem sequer teve uma simples batida do sino para avisar que havia morrido. Rumo ao cemitério, no caminho, paramos no bar do Diniz, defronte à bodega do Bizerrinha. Encostamos o defunto em pé na parede e ficamos tomando cachaça dentro da bodega. Ao meio-dia a mulher do Quilicério, indignada com a cena, questionou: – Vocês deixaram o defunto na chuva, para beber cachaça? Deviam ir para a cadeia! Zé do Canário antecedeu: - Se não fosse a Turma da Monsenhor, Zebiu ia apodrecer em casa. Lá não apareceu policial, nem padre e nem médico. Lalá implorou pelo enterro. Não apareceu ninguém. Russas não tem funerária. Coveiro bêbado dorme nos túmulos. Somente Tonico emprestou o caixão de defunto. A mulher do Quilicério confirmou: - Tem razão, Zebiu ia apodrecer! Ao chegarmos no cemitério, debaixo de uma forte chuva, arrastando o defunto nas bicicletas, não havia cova para enterrá-lo. Sem coveiro, cavamos uma sepultura nos fundos do campo-santo. Com a chuva a cova ficou redonda. Embiocamos Estralacu de ponta cabeça. Lalá pediu aos prantos: - Pelo amor de Deus! Não enterre o Estralacu de cabeça para baixo! Chico da Teté gritou de dentro da cova: - Deixa de besteira Lalá! Vai-se um Estralacu e vem outro! Assim, fizemos o enterro da mais estranha criatura bizarra de Russas. Sete dias depois de sua morte, sem comer e sem beber, Lalá morreu com saudade do Estralacu.
Airton Maranhão
Advogado e escritor
Membro da Academia Russana de Cultura e Arte - ARCA
.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de
Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e
romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo
das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem
Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura
e Arte.
Tem alguma dúvida, crítica ou sugestão?