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Ceará: Homem fica preso sete anos a mais do que deveria

THIAGO PAIVA/O povo

27/06/2018

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Furto e receptação. Dois crimes praticados sem grave ameaça ou violência. Duas condenações. Reclusão que não deveria exceder dois anos, um no regime fechado e outro no regime semiaberto. Punição e liberdade. Justiça duplamente cumprida. Recomeço. Não foi esse, porém, o enredo do encarceramento de um homem de 30 anos, que no último dia 8 deixou o presídio de Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Preso ainda na juventude, quando tinha 20 anos, o interno - que terá a identidade preservada - permaneceu recluso no Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis) por exatos 9 anos e 29 dias. No total, sete anos da clausura excederam o tempo previsto. Uma anomalia causada pela morosidade do sistema Judiciário brasileiro, que tem reflexo direto no sistema penal, sobretudo na superlotação das unidades.

Dados da Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus) mostram que, no último mês de maio, a população carcerária do Ceará era de 15.717 presos. Um excedente de 71,4%, visto que a capacidade máxima é de 9.168 vagas. Entre eles estava o detento em questão, cujo drama foi além do cárcere excedente.

No ambiente inóspito, comum às casas de detenção do Estado, o interno contraiu tuberculose. O martírio da prisão só teve fim por conta do programa Defensoria sem Fronteiras, formado por 90 defensores, de 24 estados do País, que analisou os processos de aproximadamente 10.500 detentos do Ceará. O Estado foi escolhido justamente por ter a maior proporção de presos provisórios do País. Cenário que proporciona uma série de violações de direitos.

“Foi preso um jovem e saiu um homem semianalfabeto, sem profissão, enfermo, egresso do sistema, sem dinheiro e com uma família pobre, no Interior, que sabe lá Deus como está. Os parentes nunca vieram visitá-lo. Não por opção, mas porque não têm condições”, relata a defensora Jacqueline Gevizier Nunes Rodrigues, do estado do Mato Grosso, que solicitou a soltura do preso.

O detento estava encarcerado desde 5 de agosto de 2010. Foi condenado, na comarca de Lavras da Mangabeira, a 5 anos e 6 meses de reclusão, em regime fechado, por furto qualificado e receptação. Já em 2011, na Comarca de Jaguaribe, foi condenado a pena de 1 ano e 2 meses de reclusão, em regime aberto, por tentativa de furto.

A defensora explica que o preso tinha direito à progressão de regime e deveria ter respondido em liberdade no intervalo de dois anos. Além disso, segundo ela, mesmo que a decisão o obrigasse a cumprir toda a pena em regime fechado, a condenação foi extrapolada em 3 anos e 7 meses.

“Ele não só cumpriu toda a pena no regime fechado, como passou. E olha só o reeducando que o Estado devolve para a sociedade. Ao invés de recuperá-lo, voltou para casa um homem sem o mínimo de dignidade. Vai em busca da mãe que tanto falava, mas não sabe nem se está viva. E vai chegar sem nada. E se não for acolhido... No primeiro dia passa fome, no segundo mendiga, no terceiro, quando a situação apertar...”, reflete.

Jacqueline conta que fez questão de acompanhar a soltura do interno. “Ele parecia meio abestalhado. Chorava e perguntava para qual lado ir, esquerda ou direita. Nove anos depois... Agradecia a Deus. Disse que queria reconstruir a vida, que perdeu a juventude e queria ter o direito de recomeçar. A gente gostaria, mesmo. Mas, com essas situações que narrei, não sabemos”, lamentou.

PELO MENOS 500 PETIÇÕES reclamando a soltura de presos por excesso de prazo, ou a progressão de regime, foram realizadas no mutirão. De acordo com a supervisora do Núcleo da Defensoria Pública Especializado em xecuções Penais, Marylene Gomes Venâncio, um relatório ainda está sendo feito para aferir, no total, quantos detentos foram atendidos, quantos processos foram analisados, quantas petições foram feitas e quantas foram acatadas pela Justiça.

Nos próximos 6 meses um grupo de trabalho irá acompanhar as petições realizadas no mutirão. Restam ainda algumas pendências, como a entrega de certidões carcerárias, pela Sejus, informando o tempo de cumprimento de pena e comportamento dos presos, além de pareceres do Ministério Público do Ceará (MPCE).
 
SOBRE O MUTIRÃO

O programa Defensoria Sem Fronteiras, realizado de 4 e 15 de junho, em Fortaleza, analisou processos de cerca de 10.500 presos, tendo muito deles mais de uma ação em andamento. Todos os defensores de 24 estados, enviados ao Ceará, são especialistas em direito criminal e execução penal. Foi a 12ª edição do projeto, iniciado em 2009, em parceria com o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, Departamento Penitenciário Nacional, Secretaria da Justiça e Cidadania, Defensoria Pública do Estado do Ceará, Defensoria Pública da União e o apoio da Associação Nacional dos Defensores Públicos e Associação Estadual dos Defensores Públicos. Goiás e Pará também deverão receber o mutirão, ainda este ano.
 
SEM JUSTIFICATIVAS

Procurada, a 3ª Vara das Execuções Penais, que determinou a soltura do interno, informou, por meio da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Ceará, que passou a acompanhar o caso somente em março de 2017, em razão da comunicação para execução de pena oriunda da comarca de Jaguaribe. Já a guia de execução de pena, enviada pela comarca de Lavras da Mangabeira, foi recebida em 25 de abril deste ano. A comarca foi apontada, inclusive, como o juízo competente para responder aos questionamentos do O POVO. A comarca foi procurada, por meio da assessoria de imprensa do TJCE, mas não houve retorno.

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