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Plano tem arrocho social sem detalhes e não tem meta fiscal

Folha de S. Paulo

24/05/2016

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A grande novidade da primeira rodada do Plano Temer para a economia é que não houve grande novidade. A notícia está nos detalhes e no que não foi dito.

De importante e central, houve o anúncio de um limite legal para despesas federais, a partir de 2017 —para funcionar, depende de ampla mudança constitucional. Aumento de impostos, "em último caso", apenas, e "mais à frente".

Mas:

1) Não foi explicado como o teto vai funcionar —o limite depende de um arrocho no crescimento das despesas de saúde, educação e Previdência, pelo menos;

2) Ao que parece, acabou a ideia de ter metas fixas de economia;

3) Não há corte imediato de despesas. Aliás, pelo deficit anunciado para este ano, na sexta-feira, vai haver aumento de gastos em 2016.

O que foi dito, de essencial?

Que Michel Temer pretende aprovar no Congresso um limite para o crescimento da despesa federal, uma emenda à Constituição que proíba a despesa de um certo ano crescer mais que a inflação do ano anterior. Isto é, se a inflação deste ano for de 7%, digamos, a despesa do ano que vem cresceria apenas 7%. Isto é, em termos reais, em termos de poder de compra do dinheiro, o gasto do governo não cresceria.

E daí?

Primeiro, esse tipo de medida, o teto de gastos, apenas se torna viável caso se definam limites de crescimento para gastos que, hoje em dia, crescem por lei ou vegetativamente: saúde, educação, Previdência, por exemplo.

Segundo, com o teto o governo aparentemente abandona a ideia de fixar as famosas e tão descumpridas metas fiscais (isto é, de quanto será a diferença entre receita e despesa). Pelo menos, não mencionou o assunto.

Terceiro, se não há meta, a "poupança" do governo, a diferença entre receita e despesa, dependerá de fatores flutuantes. A despesa não pode crescer mais que a inflação. E se a receita subir menos que a taxa de inflação, algo raro, mas que tem acontecido desde novembro de 2014? Vamos ter outra vez deficit?

CONGELA O GASTO FEDERAL

Meirelles lembrou que o crescimento médio da despesa, desde 1997, tem sido em torno de 6% ao ano ACIMA da inflação —crescimento real. Conter o aumento da despesa, em termos reais, seria uma inovação forte, portanto.

O ministro disse que, em três anos, o gasto do governo como proporção do tamanho da economia poderia cair de 1,5 a 2 pontos do PIB (para cair 1,5 ponto do PIB, dada a despesa atual, o crescimento da economia teria de ser de 0,5% em 2017, 2% em 2018 e 2,3% em 2019, algo um pouco acima do que prevê o mercado, citado pelo ministro).

No entanto, o deficit primário agora é de pelo menos 1,34% do PIB. Caso a receita não se recupere o suficiente, teremos deficit outra vez em 2016? Aumento de impostos?

COMO NÃO FURAR O TETO

Quanto ao teto, o governo de Dilma Rousseff lançou um plano parecido, que morreu no Congresso paralisado pela crise. Foi no começo de fevereiro.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse agora que haverá mudanças de modo a conter o crescimento das despesas obrigatórias. Não está explicado como. No início de fevereiro, quando foi lançada a ideia do plano de Nelson Barbosa, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, este jornalista escreveu então o seguinte sobre a viabilidade do plano, crítica que, por ora, permanece válida.

"Parte das despesas, como o piso do gasto com saúde e educação, cresce automaticamente com o aumento de receita. Outras crescem sem limite, à revelia do governo, como a quantidade de benefícios do INSS. Havendo um teto geral, é possível, pois, que um aumento de despesas obrigatórias ou inevitáveis comprima gastos em outras rubricas. Por exemplo, nos investimentos 'em obras' (má ideia), custeio da máquina (rende pouco) e reajustes do valor de benefícios sociais e de salários do funcionalismo (politicamente difícil, se não houver normas).

O pessoal do governo acredita que acordos com o funcionalismo devem limitar despesas salariais até 2019. Quanto ao gasto da Previdência, deveria ser contido caso passe a reforma que o governo pretende enviar ao Congresso, não se sabe quando, ainda neste ano."

Para que funcione e não desorganize os gastos do governo, é portanto necessário mudar a Constituição de modo que seja possível descumprir a exigência de gasto mínimo com saúde e educação, que é parte da receita (se a receita cresce, o gasto cresce) e evitar o crescimento da despesa da Previdência.

Trata-se de uma guerra política: acabar com as vinculações de gastos de saúde, educação, talvez com aumentos dos benefícios da Previdência, talvez até de reajustes do funcionalismo.

ONDE ESTÁ A META?

Meirelles não falou em meta fiscal. Pelo plano anunciado, parece que não haverá meta. Quer dizer, todo ano, pelo menos até 2014, o governo anunciava que a receita seria maior que a despesa, o que permitiria uma "poupança" de tantos bilhões, em geral expressos como proporção do PIB (trata-se do saldo primário, que não inclui despesas com juros).

Agora, ao que parece, o saldo dependerá da receita, que por sua vez depende do crescimento da economia. A despesa seria limitada, crescendo no máximo o equivalente à inflação do ano anterior. A receita em geral cresce pelo menos tanto quanto a inflação ou mais. Mas, nesta recessão profunda, tem crescido menos que a inflação desde novembro de 2014. Nos últimos 12 meses, cresceu 5,9% abaixo da inflação.

Quer dizer então que o governo Temer pretende adotar algo como um superavit flutuante, algo parecido com o que pretendiam os economistas de Dilma Rousseff? Isto é, nos anos bons de receita, de crescimento da economia, o superávit seria grande. Nos anos recessivos, o superávit fiscal diminuiria.

DINHEIRO DO BNDES

Outro plano maior anunciado foi o de antecipar o recebimento do que o BNDES deve ao governo. Nos anos Lula 2 e Dilma 1, o governo emprestou cerca de R$ 480 bilhões para o BNDES, que reemprestava esse dinheiro a empresas, com juros subsidiados, a fim de incentivar o investimento no país, o que não ocorreu.

Agora, Meirelles pretende fazer com que o BNDES devolva esse dinheiro antes do prazo contratado: R$ 40 bilhões agora, R$ 30 bilhões daqui a um ano e R$ 30 bilhões daqui a dois anos.

Esse dinheiro serviria para abater a dívida pública. Mas não se sabe se o plano é juridicamente viável nem como seria possível abater de fato a dívida.

No mais, reafirmou-se que haverá uma reforma da Previdência, não se sabe quando ou qual. Estão proibidos os aumentos de subsídios (dinheiro que o governo deixa de cobrar ou concede à empresas privadas). O governo ainda pretende pegar o dinheiro do Fundo Soberano do Brasil, uma pequena reserva de R$ 2 bilhões criada nos anos petistas, uma bobagem sem utilidade.

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