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Desnutrição e obesidade são faces da mesma moeda no Ceará

Diário do Nordeste

24/11/2014

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 Assim como o Brasil, o Ceará enfrenta atualmente um dilema de saúde pública no que se refere à nutrição. Ao mesmo tempo em que comemora a diminuição em mais de 30% nos últimos anos de casos de desnutrição infantil, outro fenômeno preocupa cada vez mais: os cearenses estão cada vez mais gordos ou acima do peso. A constatação de nutricionistas é de que, com as mudanças socioeconômicas, a população, principalmente as das classes C e D, passaram a comer mais, no entanto, de forma errada e muito calórica.

"O problema do déficit na dieta está drasticamente sendo reposto pelo excesso", aponta o professor e coordenador do Centro de Tratamento de Transtornos Alimentares, da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fábio Gomes de Matos e Souza. Segundo ele, pesquisas constatam que 20% da população brasileira está obesa e 45% acima do peso. Isso quer dizer que em Fortaleza, 500 mil entraram na faixa da obesidade e 1,6 milhão no sobrepeso. O Brasil tem cerca de 18 milhões de pessoas consideradas obesas. Somando o total de indivíduos acima do peso, o montante chega a 70 milhões, o dobro de há três décadas.

Guia

Não é à toa que o Ministério da Saúde lançou o Guia de Alimentação Saudável e entidades como a Pastoral da Criança e Instituto da Primeira Infância (Iprede) mudaram o foco de seus trabalhos. A famosa multimistura - alimento natural que ajudou a reduzir a desnutrição - deixou de ser o principal instrumento da Pastoral. Sua nova bandeira é a orientação alimentar. O Iprede implantou um atendimento para obesos e os que estão acima do peso ideal.

A médica Rita Maria Alencar aponta que o novo perfil dos filhos das famílias carentes - com meninos e meninas mais robustos - não indica, porém, que eles estão mais saudáveis. "É o resultado da alimentação inadequada que vem sendo oferecida pelos pais. A comida também virou status", afirma ela.

A preocupação dos especialistas é facilmente comprovada nos bairros de periferia de Fortaleza. A luta da empregada doméstica Zilma Maria nos anos 90 foi para salvar seu primeiro filho da desnutrição.

Transformação

Hoje, ajuda a sua vizinha, Ângela da Silva, a cuidar de sua filha, de 12 anos, no combate à obesidade. As duas, amigas há mais de 25 anos, moradoras do Conjunto Palmeiras, são exemplos de como o Ceará superou obstáculos contra a desnutrição e atualmente tem o desafio de enfrentar o outro lado da mesma moeda: o avanço do sobrepeso e obesidade da população.

Se de um lado, os números são cada vez mais preocupantes, do outro, os dados são considerados bons. De acordo a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), em 2006, a Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) no Ceará era de 18,1 por mil nascidos vivos. Ou seja, de cada mil nascidos vivos 18,1 crianças morriam antes de um ano de vida. Em 2007, essa taxa caiu para 16,1. Em 2013, a TMI foi reduzida para 12,8. Segundo a Sesa, 74% dos bebês até quatro meses acompanhados pelos agentes comunitários de saúde são alimentados exclusivamente com leite materno.

Apesar dos números em relação aos bebês, médicos e especialistas no tratamento dos transtornos alimentares alertam que uma criança desnutrida pode ser um adolescente ou adulto obeso. Eles sinalizam que é imprescindível ensinar aos pais a forma correta de alimentar seus filhos e a utilizar melhor o pouco alimento que possuem. "A proposta é mostrar que a presença de biscoito, refrigerantes, doces e massas não ajuda no desenvolvimento das crianças. E mais: que a obesidade é tão prejudicial para a saúde dos pequenos quanto a desnutrição", frisa Rita Alencar.

Prevenção

A intenção do Guia Alimentar, do Ministério da Saúde, é promover a saúde e a boa alimentação, combater a desnutrição e prevenir enfermidades em ascensão, como a obesidade, o diabetes e outras doenças crônicas, como AVC, infarto e câncer. "O ideal é desfrutar a alimentação em família, sempre que possível, evitar a refeição assistindo à televisão, falar no celular, ficar em frente ao computador ou atividades profissionais", orienta o professor Fábio Gomes.

O Guia também relaciona dez passos para uma alimentação saudável e reforça que a atividade física regular é importante para manter um peso saudável.

A endocrinologista Juliana Parente explica que obesidade é caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal no indivíduo. Para o diagnóstico em adultos, o parâmetro utilizado mais comumente é o do índice de massa corporal (IMC). "O IMC é calculado dividindo-se o peso do paciente pela sua altura elevada ao quadrado. É o padrão utilizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que identifica o peso normal quando o resultado do cálculo do IMC está entre 18,5 e 24,9. Para ser considerado obeso, o IMC deve estar acima de 30", ensina.

Demanda por tratamento na faixa mais carente aumenta

A obsessão por perder peso e ter um corpo "perfeito" potencializa casos de vários outros transtornos alimentares, não só na faixa mais rica da população. A demanda pelo tratamento entre os mais pobres enche consultórios médicos e engrossa filas de espera em centros e ambulatórios públicos especializados.

O ambulatório de Nutrição da Universidade de Fortaleza (Unifor), atende 30 pacientes, com tratamento que pode levar meses ou até anos. De acordo com a coordenadora do Programa Interdisciplinar de Nutrição aos Transtornos Alimentares e Obesidade (Pronutre), Ana Paula Oliveira, os principais problemas são a anorexia nervosa, caracterizada pela recusa em comer ou pela alimentação em quantidades ínfimas, e bulimia, o distúrbio de quem come compulsivamente e depois induz o vômito para se livrar do alimento. "Sem falar na compulsão e a Arfid (sigla inglesa para o transtorno de seletividade alimentar)", relaciona ela.

Entre os casos mais graves em tratamento, o de uma mulher, na faixa dos 40 anos de idade, que desde os 18 anos apresentou indicações de Arfid. "Ela chegou com desnutrição e IMC (índice de massa corpórea) 16, quando o normal está entre 18,5 e 24,9). A paciente só aceitava líquidos. Se ingeria algum alimento sólido, vomitava", relata.

"Há quem considere esses distúrbios uma doença menor, fruto de capricho. Não é verdade. São sérias ameaças à vida. Cerca de 30% das pacientes com anorexia se recuperam totalmente. As demais sofrem novos episódios da doença ou se tornam anoréxicas crônicas", afirma.

Não existe apenas uma causa para os transtornos alimentares, aponta a especialista. Fatores biológicos, sociais, psicológicos, familiares e genéticos estão entre os seus componentes.

O tratamento é múltiplo e interdisciplinar. Requer ajuda de nutricionista, psiquiatra e psicólogo e, em alguns casos, o uso de antidepressivos ou remédios contra a ansiedade.

"Hoje os transtornos alimentares atingem a todas as classes sociais. O Brasil melhorou a condição socioeconômica da maioria da população e isso virou um desafio quando o assunto é alimentação". Antes, diz, os mais carentes não tinham condições de uma alimentação mais equilibrada e enfrentavam a desnutrição. Hoje, a comida virou "status social" e comprar mais industrializados e de marca é moda.

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