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Russas: A noite dos porcos no lixão

O Povo

28/07/2014

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 Em algumas regiões europeias porcos são usados na caça às trufas, que florescem entre as raízes de algumas árvores. O faro infalível do animal leva seu companheiro humano até o esconderijo subterrâneo do cogumelo, que chega a ser vendido a 20 mil reais o quilo, usado como ingrediente da alta gastronomia, devido ao seu aroma inigualável.

Na comunidade de Alto São João, em Russas (CE), os porcos também ajudam os homens em seu trabalho à procura de gêneros comerciáveis. Porém, o que os humanos cearenses encontram é vendido por alguns centavos de real o quilo. Já os porcos têm mais sorte - diferentemente dos colegas europeus, impedidos de devorar as trufas - eles podem comer o que encontram, dividindo o resultado da empreitada com os homens.

Todo o lixo produzido pelos 73 mil habitantes de Russas é depositado em um aterro a céu aberto, a três quilômetros do centro da cidade. Quando os primeiros caminhões começaram a descarregar em Alto São João, há cerca de 20 anos, alguns moradores perceberam que o lixão poderia ser uma fonte de renda e começaram a separar o material reciclável. Os criadores de porcos também viram uma oportunidade de alimentar os animais sem gastar nada, e passaram a soltá-los para que encontrassem comida, fuçando entre os detritos.

O depósito, uma depressão retangular no terreno, mede 200 metros por 150 metros, e fica quase encostado nas primeiras casas do bairro. No local, os detritos são jogados sem nenhuma separação, incluindo resíduos hospitalares.

A partir disso conformou-se uma simbiose entre humanos e animais, que passaram a trabalhar lado a lado. Os porcos, na busca por comida, revolvem o lixo, fazendo aflorar o material reciclável: garrafas PET, papelão, latas de alumínio. Os catadores passaram a considerar os porcos seus parceiros de trabalho. Outros sócios juntam-se ao grupo: cachorros, cabras, urubus e surpreendentes garças, algumas montando o lombo dos porcos para fazer a pescaria.

Os porcos ajudam muito, diz Francisco José dos Santos, 49 anos, catador desde quando “chegou a primeira carrada” no lixão. Ele trabalha com a ajuda dos porcos: “Eu não preciso cavoucar, é só ficar no meio deles”. A opinião é unânime entre os trabalhadores do lixão: o porco é o melhor amigo do catador. Porém, a amizade dura até ele estar pronto para o abate. Então o animal é sacrificado e consumido na própria comunidade ou vendido para os açougues de Russas.

Alguns catadores trabalham pela manhã, quando chegam os primeiros caminhões de lixo; outros começam à tarde, quando vem uma nova partida, e entram pela noite. Ao entardecer é também a hora em que os criadores soltam os porcos, que passam a noite no lixão.
A faina é intensa, num agachar e levantar constante, o material sendo depositado em enormes sacolões, guardados em cercados improvisados, que eles chamam de “rancho”. Cada catador tem o seu, um espaço inviolável, respeitado por todos. Trabalham sem proteção: cortes e furos nos pés e mãos são comuns. Alguns poucos usam luvas improvisadas, encontradas no próprio lixão. Começa a anoitecer. O movimento de homens e animais sugere um balé lúgubre. O ar pestilento parece que fica mais sufocante, o miasma causa engulhos, o cheiro forte ficará impregnado na roupa. Porém, para esses homens e mulheres é apenas mais um dia comum de trabalho. Eles não se lamentam, consideram normal a situação degradante, é dali que retiram o sustento. Revoltam-se quando surgem comentários dizendo que o lixão poderá será fechado. “Vai quebrar as nossas pernas”, diz Francisco.

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