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O homem do forró

TV Russas

23/05/2011

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A história de Antônio Isaías Paiva Duarte, 36, o Isaías CDs, dá um filme que ele gosta de narrar em detalhes. Começa na fazenda em Santa Quitéria, onde vivia com os pais e dez irmãos na condição de moradores. “A gente cuidava dos animais e vivia do que produzia. Mas algo dizia dentro de mim que não tinha nascido pra trabalhar na roça”, conta. Depois de uma briga com o pai, que na lembrança de Isaías tinha a ver com isso, ele correu para a estrada, pegou carona num caminhão e começou sua aventura aos 11 anos de idade.


Chegou na Praça Coração de Jesus, no Centro de Fortaleza. “Vendia pastel. Conheci uma senhora que me deu esse emprego. Na época existia a (boate) Paraíso. Trabalhava à noite e de dia dormia dentro do carro, uma Veraneio que ela tinha. Não saí da Coração de Jesus pra nada durante esses dois anos”. Aos 14, Isaías foi morar na Aerolândia com um irmão, passou um tempo vivendo de bicos, até que se deu por vencido e voltou pro Interior. Foi ser vaqueiro numa fazenda perto de Canindé.

Não durou muito, se inquietou de novo e voltou para Fortaleza. “Aí, olha o destino: conheci a sobrinha de Rita de Cássia (compositora de forró, autora de Meu vaqueiro, meu peão, primeiro sucesso da banda Mastruz com Leite)”, refaz Isaías, para quem “nem uma folha cai da árvore sem a previsão de Deus”. Foi ela que lhe apresentou Emanuel Gurgel, dono da SomZoom, a produtora que deu início ao mercado do forró eletrônico. O jovem Isaías, fã de festa, vaquejada, Mastruz com Leite, Beto Barbosa e Kátia Di Tróia, aproveitou a chance.

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“A SomZoom já era estourada! Tinha 11 bandas”, lembra Isaías. Primeiro, ele cuidou da granja de Emanuel Gurgel. Depois, insistiu até entrar como zelador na SomZoom. Um dia, a mulher do cafezinho faltou e ele passou um ano e meio fazendo café para Emanuel. “Sempre que ele tava ouvindo um CD, me pedia uma opinião e sempre que eu dava uma opinião, a coisa acontecia. Fiz muitos eventos com ele, comecei a vender discos lá e fui pegando gosto pela coisa”.

Hoje Isaías CDs é que é o homem forte do forró. Tem seis bandas, começando pela maior do Brasil hoje, o Aviões do Forró, e mais meia dúzia de casas de show em Fortaleza. De lá até aqui, tem muita trama e causo no enredo do filme. Isaías mudou o mercado, distribuindo CDs de graça quando ninguém fazia isso. Quebrou quando a sua primeira sociedade numa banda de forró, a Gaviões do Forró, se desfez depois de ele sentir o gostinho do sucesso. “Não tinha nada assinado, fiquei mal mesmo”.

Foi tentar de novo. Se juntou a Carlos Aristides para montar a Aviões do Forró e deu o pulo do gato. “Via que as bandas eram meio bregas, as dançarinas nuas nos palcos. Não era legal. Tinha que fazer uma banda diferente que se vestisse bonito, então terminei de investir tudo o que tinha”. Figura polêmica no mercado, com fama de destemperado, Isaías se defende: “O que Deus me deu de coisa boa, me deu de inveja”.

O POVO - Seu objetivo era ser dono de uma banda de forró de sucesso. Você imaginava que o Aviões do Forró fosse tão longe?
Isaias CDs - Imaginava ficar no meio das dez melhores bandas. Graças a Deus, hoje é a número um. Tenho seis bandas. Sou um cara que sei ler, não sei escrever muito bem e me considero bom de matemática. Só tem uma coisa que tenho vontade ainda, passar numa sala de aula. Nunca entrei num colégio. Aprendi no mundo. Passava o dia soletrando as coisas e fui aprendendo. Aprendi tudo de gerência dentro da SomZoom (a primeira empresa produtora de bandas de forró que lançou, entre outras, Mastruz com Leite). Quando o Aviões começou a crescer, a concorrência aumentou muito. As pessoas que me ajudavam, passaram a querer me travar. Em Fortaleza, existia uma barreira, quem tinha que ganhar dinheiro era dono de casa (de show), não banda. Fui tocar no Siqueira por R$ 350 e gastei R$ 2.300. Quando inventei de bancar um show no Cantinho do Céu, ganhei R$ 48 mil.

OP - E aí resolveu montar suas próprias casas de show?
Isaias - Não, fui tocar pra essas mesmas pessoas, botei o pé na parede e disse que não tocaria mais por cachê. Queria bilheteria também. Foi uma briga, rompi com o Assis Monteiro (outro todo poderoso do mercado do forró). Ele não aceitou, mas outros aceitaram. Ficou 50% da bilheteria pra mim, 50% pra quem faz a festa. Hoje o mercado funciona assim.

OP - Mas hoje você só toca nas suas próprias casas, não é?
Isaias - Toco pra todo mundo, contanto que não venha concorrer comigo. Tenho uma sociedade no Forró do Sítio, sou dono do Cantinho do Céu, onde tudo começou, e tenho uma parceria no Kangalha, Forró do Boi e Engarrafamento. Investi na roupagem da casa, na grade. Boto as bandas lá e tenho participação na bilheteria. Todas as casas querem meus produtos.

OP - Essa estrutura onde a A3 está é onde funcionava a SomZoom?
Isaias - A gente ficava numa casa ali do lado. Quando o Emanuel fechou isso aqui, sempre que passava em frente tinha vontade de comprar. Meu sócio dizia que era um elefante branco. Tinha trabalhado sete anos aqui, era uma energia muito forte comigo. Era zelador, limpava todo esse chão. Um dia encontrei com a mulher do Mução, isso era dele. Ela me disse que tinha se separado e ganho esse miolo, onde ficam os estúdios. Entramos aqui e quando ligamos, pegou tudo. Comprei. Meu sócio não quis nem conversa.

 

OP - Como você se sente quando entra aqui e lembra disso?

Isaias - A ficha não caiu, nem quero que caia. Tenho um bocado de besteira, graças a Deus, mas não tomo isso como se fosse dono, é como se cuidasse pra alguém, como um gerente. Montei isso na cabeça. Não me apego a nada material. Gosto de ajudar. Ajudo 17 creches. Naquela tragédia que teve no Rio de Janeiro, eu e meu sócio conseguimos mais de 12 toneladas de alimento.

 

OP - Como é sua rotina?

Isaias - A minha vida é meio desmantelada. Meus filhos viraram rapaz, um tem 17, outro 12. Moram comigo. Deixei bem claro pra eles que naquele momento não podia fazer o papel de pai, sair pra passear, passar o fim de semana junto. Temos um pouco de tempo em casa, mas se você me perguntar quando é que fui no cinema com meus filhos, pra uma praia, não sei. A semana toda saio daqui à noite, se chegar 4 da manhã em casa, às 9 ‘tô’ no escritório.

OP - Até hoje gosta das festas? Com tanto poder no mercado, o assédio é muito grande?
Isaias - Gosto de fazer o que faço. O mundo é assim, as pessoas dizem que o dinheiro é 100%. É 100% pras coisas ruins. Pra atrair o amigo falso, a inveja, alguém te perseguir a vida toda. Muitas pessoas não se sentem bem em ver você crescer. É difícil chegar um e dizer “fulano de tal está tão bem”. Mas que fulano está lascado, toda hora a gente escuta. É um mercado muito bom, mas a concorrência é muito cerrada. A galera é sempre querendo atropelar. Mas acho que as pessoas novas no meio, aos poucos vão se distanciando disso. Acho que o forró não chegou ainda a 50% do que vai chegar.

OP - Vai até onde?
Isaias - Vai dominar tudo. Em Salvador, toda banda de axé toca uma música de forró. Em Miami, as boates tocam forró. Na hora que a televisão passar a dar o gás que dá em pagode no forró, ninguém segura.

OP - E você acha que tem participação nisso?
Isaias - O Aviões hoje é a banda responsável. O Mastruz com Leite foi um grande sucesso, Calcinha Preta, Magníficos, Limão com Mel, mas nenhuma conseguiu o que o Aviões conseguiu: dar valor ao forró. Vou tocar com o Chiclete, meu cachê é igual ao deles. Só perco pro Roberto Carlos. Hoje temos uma música na novela das sete. Por coincidência, é o tema do prefeito Isaías (risos).

OP - A distribuição gratuita de CDs é muito comum no mercado da música popular. Você foi pioneiro nessa estratégia?
Isaias - Quando vi a pirataria crescendo, vi que não se vendia mais disco. Pensei: ‘Vou é dar!’. É uma moeda que vai e volta. Dou o CD e volta na bilheteria. Todos os donos de loja – Tok Discos tinha 12 lojas, Aki Discos tinha 13 – me procuraram perguntando se eu tava maluco. Diziam que ia acabar com as lojas. Mas quem ia acabar, e acabou, era a pirataria. Quando criei dar porcentagem pro cantor pra ele passar a ser dono de banda também, todo mundo me odiou de novo. O Alexandre e a Solange, por exemplo, tem 10% do Aviões. Nas minhas bandas, todo mundo é sócio. Se isso viesse acontecendo desde o início, o Mastruz estava com a frente dele até hoje. O problema é que os donos da banda não davam o valor que o cantor merece.

OP - Ainda hoje vocês distribuem?
Isaias - Estou pensando em outra situação, porque todo mundo está fazendo a mesma coisa. Tem muito CD com qualidade ruim. Por isso, acho que o forró não avançou mais. Se todo mundo se preocupasse com a qualidade que me preocupo... O DVD do Aviões saiu pela Som Livre. Começamos como terceiro DVD mais vendido e chegamos no primeiro. Vamos lançar CD e DVD também do Muído pela Som Livre.

OP - Vocês procuraram isso?
Isaias - Não, fomos procurados. Estamos na novela das sete e vamos estar na das oito também, tudo ao comando de Deus. Nunca insisti em botar o Aviões na televisão e nem gosto muito porque a televisão é boa você indo uma, duas vezes no ano. Desgasta muito. O Calypso fez tanta televisão que o povo não vai mais pro show.

 

OP - Vocês gravam em média cinco CDs promocionais pra cada banda por ano. De onde sai tanta música? E a questão dos direitos autorais?
Isaias - A maioria são músicas boas que estão no momento. A galera hoje não respeita. A gente pega uma música boa, todo mundo toca. A maioria chega até ao desrespeito de tocar em televisão, rádio, não só no repertório de show. É uma bagunça muito grande. Onde vai parar, não sei.

OP - Você já se envolveu em algumas polêmicas por isso. Minha Mulher Não Deixa Não e Água que passarinho não bebe foram gravadas por vocês e pela Garota Safada e deu problema.
Isaias - Acontece muito por causa do compositor. Ele vende pra mim, depois pra Garota Safada. Termina em polêmica. Minha Mulher Não Deixa Não, o compositor veio aqui e pediu até pra gravar um clipe pra ‘ajudar ele’. Só que não sabia que ele tinha feito com a Garota Safada também.

 

OP - Você já ouviu a acusação de que a A3 tem olheiros por aí “roubando” músicas que fazem sucesso no Interior. O que tem de verdade nessa história?
Isaias - A gente está ligado em tudo porque a gente está na rua. Antes os donos de banda não saíam do escritório. Existia um grupinho de compositores: Rita de Cássia, Luiz Fidélis e mais dois, três. Depois que a gente veio, abriu a porta pra todos os compositores. Não é olheiro. Todo compositor quer botar música na Aviões ou na Garota, que também está bem no mercado.

OP - Mas então você conhece essas histórias, as acusações feitas pelo blog Cabaré do Timpin, por exemplo? (em carta aberta no blog, Isaías é acusado, entre outras coisas, de “humilhar” o segurança de uma casa de shows em Patos-PB, e de ter espancado um segurança que impediu sua acompanhante de entrar de graça num evento).
Isaias - Esse acaba comigo na Internet e fica p... porque não respondo nada. Quando vim do Interior pra cá, caí no meio de uma sociedade e terminei tomando espaço. Queira ou não queira, trabalhei com o Franzé (D’Aurora), Assis Monteiro, Possidônio, com Emanuel Gurgel. Chegar num momento em que a A3 está como está, eu à frente de um produto nacional, as pessoas não aceitam muito. Não sou um cara de beber muito, mas bebo. Sou solteiro, geralmente nas minhas mesas tem muitas amigas mulheres e tem muita briga que não tem nada a ver comigo.

OP - Você ficou muito rico?
Isaias - Vivo bem. Como tenho muitos amigos, já viajei no helicóptero do Marrone, aí dizem logo que é meu. A vodka Slova patrocina minha banda e eles fazem questão que eu passe o mês junino no jatinho deles. Às vezes estou aqui, o Aviões vai tocar em Mossoró, chegam seis amigos querendo ir, é longe, eles alugam um jatinho e vou junto. Aí a galera acha que o jato é meu. E a Receita Federal atrás de mim direto (risos).

 
OP - Quem passou por dificuldades, deve investir de forma a não passar por aperto de novo?

Isaias - Me preocupo com o futuro, lógico! Sou a estrutura da minha família. Antes de comprar uma casa pra mim, comprei uma pra cada irmão, pra minha mãe, pra minha ex-mulher, pra todos eles. Eu me viraria sozinho, mas meus irmãos não. Eles não aprenderam a ler, nem escrever. Gosto de investir em coisas futuras, em terreno, aluguel porque é uma coisa pra aposentadoria. Banda não é pra vida toda. Sou muito feliz com o que tenho, não peço mais nada a Deus.

OP - Uma última pergunta. Você soube da polêmica com Chico César, secretário de cultura da Paraíba, que disse que não ia contratar banda de ‘forró de plástico’ no São João de seu Estado?

Isaias - Ele foi infeliz, mas acho que vai voltar atrás. A assessoria dele já me procurou, mas não tenho data. Vamos tocar em Caruaru. O prefeito de lá também mordeu a língua ano passado. Disse que não botaria banda como Aviões, mas me ligou no final do São João pedindo Muído e Aviões. Eu disse: senhor, ressuscite Luiz Gonzaga e bote pra tocar. Nesse ano mudou tudo porque o do ano passado não deu ninguém, foi o maior desastre.

 

Mariana Toniatti
marianatoniatti@opovo.com.br

Marcos Sampaio
marcossamapaio@opovo.com.br

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