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Consequências da maior série de rebeliões da história do CE persistem

Diário do Nordeste

22/05/2017

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Nas CPPLs II e III, os presos permanecem soltos nas vivências. As reformas inacabadas facilitam novas fugas.

Um ano se passou desde a maior sequência de rebeliões da história do Sistema Penitenciário do Ceará. De lá para cá um saldo negativo permanece: as estruturas das unidades prisionais ainda estão danificadas; há processos judiciais contra agentes, apontados como responsáveis por incitar o caos; muitos detentos ainda estão foragidos; e quem presenciou os momentos de aflição procura formas de conviver com os traumas.

Os 365 dias não foram suficientes para que a Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará (Sejus) restaurasse por completo os equipamentos quebrados. Também não foi da vontade dos presos retornar às grades, nem permitir a reconstrução de paredes e pisos destruídos, que têm facilitado as fugas recorrentes.

De 20 a 23 de maio de 2016 morreram 18 presos nas Casas de Privação Provisória de Liberdade (CPPLs), localizadas no Complexo Penitenciário de Itaitinga. A guerra interna teria começado quando se espalhou a notícia do cancelamento das visitas, consequência da greve dos agentes penitenciários.

O presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores do Sistema Penitenciário do Ceará (Sindasp-CE), Valdemiro Barbosa, que participou do movimento grevista, conta que a destruição já havia começado antes da suspensão de visitas. Para ele, o real motivo da fúria dos detentos foi o anúncio do bloqueio do sinal de celulares.

"Quando o Governo encaminhou a mensagem que bloquearia o celular, eles quebraram as CPPLs. O que houve naquela época foi fruto de uma gestão incompetente e inábil na Sejus", disse Barbosa.

Urgência nas mudanças

Para o presidente do Conselho Penitenciário (Copen), advogado Cláudio Justa, os episódios de maio do ano passado estavam sendo "gestacionados". Isso, porque, a fragilidade da infraestrutura do Sistema Penitenciário em todo o País é uma "bomba relógio prestes a eclodir".

"O Sistema não mudou substancialmente. Houve uma repartição de espaços para evitar os conflitos, mas a estrutura continua basicamente a mesma: superlotada, com número de presos provisórios muito acima do desejado e baixo efetivo de agentes. Com a destruição das unidades, os detentos ficaram nas ruas e isso não foi retomado totalmente. É o que vemos, por exemplo, na CPPL III", diz Justa.

A informação foi confirmada por uma fonte oficial da Pasta, que já esteve na direção de alguns dos principais presídios do Estado, e preferiu não ser identificada. "Hoje, os agentes que trabalham da CPPL III vivem sob pressão. Lá é a prisão mais crítica. Pedem para serem transferidos, porque não suportam mais saber que vai acontecer uma rebelião a qualquer momento". A fonte lembra que alguns internos fugiram por temer serem mortos lá dentro, durante e depois das rebeliões.

Outra fonte ligada ao Sistema Penitenciário disse que a Sejus esta permitindo uma divisão de detentos por facção. "Eles querem evitar os confrontos do jeito mais fácil, que é separando por facção para não ter briga. O problema é que esses presos já foram tão atendidos que não aceitam ser contrariados. Eles mandam no Sistema".

Segundo o ex-diretor, "nem um presídio de segurança máxima adiantaria para resolver os problemas de segurança no Ceará". Para o servidor, o Governo sabe que as facções mandam dentro e fora das penitenciárias.

"A cada acordo, como o feito em abril para cessar os ataques aos ônibus, é visto que os dirigentes se curvam e retrocedem quanto a sua força para com os criminosos", considerou.

Sejus quer Sistema mais humanizado

"Nosso maior objetivo, hoje em dia, é tornar o Sistema Penitenciário mais humanizado e temos trabalhado muito para isso", afirmou a titular da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), Socorro França. A secretária assumiu que a Pasta tem grandes desafios para enfrentar e disse que muitos esforços estão sendo feitos para que as tensões diminuam nas penitenciárias.

"Estamos fazendo o que determina a Lei de Execuções Penais (LEP) e tentando oferecer assistência médica e espiritual, dando aos internos acesso à educação. Existe uma superlotação, mas estamos tentando resolver isso também. Vamos entregar duas novas unidades neste ano e mais duas no próximo".

A respeito da atuação incisiva de facções, nos últimos tempos, a secretária afirmou que estão sendo feitas movimentações dentro das penitenciárias para evitar confrontos e mortes.

Socorro França nega que alguma penitenciária do Estado esteja sob controle de facções criminosas. "Não existe isso. A Sejus tem o controle e as movimentações dos internos são feitas para onde nós determinamos", declarou.

Dez agentes foram responsabilizados

A greve dos agentes penitenciários foi considerada pelo Ministério Público do Estado (MPCE) o estopim para as rebeliões de maio de 2016. A Instituição fez a denúncia criminal e ajuizou uma ação Civil Pública contra dez profissionais da categoria, requerendo, entre outras medidas, a demissão de todos eles e o pagamento do prejuízo causado ao Estado, durante a confusão.

"Os agentes entraram em conluio para praticarem atos que culminaram na morte de 18 pessoas e na depredação de equipamentos públicos calculada em R$ 10 milhões. Não foram denunciados pelos homicídios porque não houve ação direta deles, nem sequer havia prova de mando. Mas eles ensejaram a prática dessas mortes. Propositadamente, marcaram a greve para o sábado, que era dia da visita; espalharam para os detentos que não haveria visita; abriram as celas e permitiram que os presos circulassem livremente, o que ocasionou os confrontos entre grupos rivais; por fim, impediram a PM de entrar para garantir o dia de visitas", afirmou o promotor de Justiça Ricardo Rocha, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público.

Anarquia

Ricardo Rocha disse que as punições criminais pleiteadas na Justiça, mesmo somadas, são baixas e prescreverão rápido. "Dificilmente serão presos. A título de se viver em uma democracia, muita gente está transformando isso em anarquia, o que é muito preocupante. O que esses agentes fizeram é exemplo disso. A Constituição prevê o direito de greve e estabelece que a pessoa pode não ir trabalhar, mas o que se fez não foi isso. Foi um plano criminoso para impedir outros profissionais de trabalharem. Causaram tragédias para chamar atenção, como forma de colocar o Governo refém. Usaram o momento para que demandas da categoria fossem atendidas. O que a Constituição prevê não é nada disso", afirmou.

O promotor afirma que o Sistema Penitenciário tem problemas graves, que precisam ser combatidos. "No Brasil não existe penitenciária, o que existe é depósito de gente. Nos presídios há uma degradação humana total, inadmissível e revoltante. É preciso que as entidades, e nelas incluo o Ministério Público, tomem medidas para que o Governo, ao menos, comece a trabalhar nisso. A responsabilidade do MPCE é muito grande nesse aspecto e ele deve agir através da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) para fazer alguma coisa".

Ricardo Rocha ressaltou, também, a atuação das facções no Ceará. "Estamos sentindo agora o fenômeno da mudança ou da chegada desses grupos organizados, que antes só existiam no Sul e Sudeste do País. Não é folclore. Esses grupos estão aqui e estão atuando fortemente. Não podemos nos iludir achando que isso não existe. O que está acontecendo no Ceará é grave".

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