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Extinção de cargos de vice agrava instabilidade, avaliam analistas

Diário do Nordeste

17/04/2017

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O fim de cargos de vice-presidente, vice-governador e vice-prefeito é uma das propostas do relator da reforma política na Câmara Federal, deputado Vicente Cândido (PT-SP). Para cientistas políticos, mudança não seria positiva e cria apenas uma “cortina de fumaça” no debate sobre a reforma.

Apresentado na última semana na comissão especial que discute uma reforma política na Câmara dos Deputados, relatório parcial do deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) - no qual está um conjunto de reformulações às leis eleitorais - propõe, dentre outras alterações, a extinção dos cargos de vice no Executivo. A proposta, que não prosperou no Congresso Nacional há pouco mais de dez anos, volta à tona, desta vez, sob a justificativa de que tais figuras, as quais, por vezes, atravessam mandatos à sombra dos gestores titulares, não têm uma atuação relevante nos governos e custam caro às administrações.

Cientistas políticos ouvidos pelo Diário do Nordeste dividem-se acerca da possibilidade de aprovação da proposição pelos atuais parlamentares, mas, em comum, rejeitam a extinção dos cargos e justificam o papel dos vices no modelo republicano do País, embora admitam que uma reforma política poderia rever atribuições dos postos.

A discussão do relatório preliminar da reforma política no colegiado especial, que começaria na última terça-feira (11), foi adiada para a próxima semana, dado o início das votações em plenário naquele dia, mas o documento chegou à Câmara ainda no dia 4, com quatro projetos de lei e uma proposta de emenda à Constituição (PEC).

Um dia antes, em entrevista ao portal G1, Vicente Cândido já havia afirmado, ao defender o fim dos cargos de vice-presidente, vice-governador e vice-prefeito, que o País "joga dinheiro fora" ao manter os postos. "Temos quase seis mil vices no Brasil, que devem ter no mínimo mais dois cargos (de assessor). Então, temos um exército de 15 mil pessoas que ganham para não fazer nada", justificou.

Efeito contrário

Incluir tal proposta no rol de mudanças no sistema político na tentativa de minimizar a atual crise de representatividade, contudo, pode, na avaliação do cientista político Osmar de Sá Ponte, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), ter efeito contrário. "Não ter vice cria uma condição de instabilidade política, por que quem iria assumir (no caso de impossibilidade do titular)? Iria assumir o presidente da Câmara? Aí você teria quase um parlamentarismo pela metade, acanhado. No entanto, na atual situação, em que o próprio Congresso Nacional e as lideranças políticas estão absolutamente sem credibilidade, aproximar uma solução próxima de um parlamentarismo de alguém com poder parlamentar, eu acho que não ajuda a resolver a crise, acho que agrava", analisa.

A Constituição Federal vigente, de 1988, define como atribuição do vice-presidente da República a substituição do presidente, no caso de impedimento ou nos casos em que o cargo se torne vago. Ele deve, também, auxiliar o titular, sempre que por ele convocado para "missões especiais". As funções se replicam para vice-governadores e vice-prefeitos. Apesar de reconhecer o papel de garantir estabilidade aos governos, porém, Osmar de Sá Ponte diz que vê como possível a aprovação da extinção dos cargos por deputados e senadores.

"Ali pode passar qualquer coisa, justamente porque os partidos políticos, hoje, estão tentando se salvar. Eles não estão defendendo o interesse político, estão querendo criar uma reforma política que lhes salve", considera. "Aqui no Brasil, existem donos de partidos, e quando existem donos, não é mais partido, é uma propriedade de interesse de pessoas. Então, nessa crise, qualquer mudança que se realiza no sentido de aumentar o poder da Câmara dos Deputados vai ser arremedo para salvar malfeitos de partidos", acrescenta.
Opinião diferente sobre a possibilidade de aceitação da proposta tem o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB). "Encaro isso como uma vingança do PT, porque, no impeachment, o Michel Temer era o vice e assumiu. Mas esse tipo de casuísmo acho que a Câmara dos Deputados não vai aprovar, porque você tem muitos partidos e candidatos municipais e estaduais que estão muito interessados no vice para fechar vaga em uma coligação", afirma.

Coadjuvante?

Não é a primeira vez que uma proposta com este objetivo chega ao Congresso Nacional. A PEC 287/2004, de autoria do deputado Roberto Jefferson (PTB), condenado no processo do Mensalão, e outros parlamentares, tinha a mesma intenção - extinguir cargos de vices - com a justificativa de eliminar a "possibilidade de arranjos" políticos. O texto, que também colocava a figura como "insignificante", contudo, não prosperou na Casa e foi arquivado no ano de 2008.

Questionado se, historicamente, construiu-se no País uma imagem de que o vice, por ter função coadjuvante no governo, pode não ser necessário, David Fleischer lembra que, no Brasil, apenas em uma ocasião o vice foi dispensável. "Foi no regime militar, em 1969, quando o Costa e Silva adoeceu e os militares não deixaram o vice assumir, que era o Pedro Aleixo", cita. Antes disso, ele menciona que Café Filho assumiu após a morte de Getúlio Vargas e João Goulart também foi alçado à Presidência da República quando da renúncia de Jânio Quadros.

Já depois da ditadura, continua o cientista político, dois vice-presidentes assumiram o cargo principal por deposição dos titulares em processos de impeachment: Itamar Franco, vice de Fernando Collor de Mello; e Michel Temer, vice de Dilma Rousseff. David Fleischer destaca, porém, que o papel do vice é uma decisão de cada governo. "A nível de governador, há casos em que o vice assume alguma secretaria de governo e também assume funções administrativas ou de articulação política", diz.

Desvio de foco

Professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o cientista político Horácio Frota, por sua vez, classifica a proposta de extinção dos cargos de vice como "uma cortina de fumaça" diante de questões que são mais relevantes no contexto de uma reforma política. "Para mim, isso não é uma questão central. Você extinguindo ou não, vai ter a figura que substitua o governante em determinados momentos e em determinadas circunstâncias. E, quando ele assume, por força de lei, recebe os recursos do cargo, então a gente está trocando seis por meia dúzia", coloca.

Horácio Frota aponta que o cargo de vice sempre foi associado a algo "problemático", uma vez que envolve arranjos políticos e desconfiança pela possibilidade de querer disputar o cargo maior. "Mas, por outro lado, não se pode extinguir", pondera ele, sob o argumento de que é preciso fortalecer o Estado Democrático de Direito e os processos democráticos que também envolvem o posto no sistema republicano.

Também contrário à proposta de extinção dos cargos, Osmar de Sá Ponte, professor da UFC, afirma que, se o vice existe para garantir estabilidade política, não pode-se pensar em afetar instituições com base em um período conjuntural de crise. "Não podemos pensar a crise como algo permanente. Precisamos pensar soluções para o País sair da crise, e não como sendo algo que, se mudou a conjuntura, temos que mudar tudo. Que sistema é esse? Que reforma é essa? Que pensamento estratégico sobre os interesses coletivos é que está passando pela cabeça de um partido ou de um autor?", questiona.

Estabilidade

Ele diz ainda que, se ao vice é atribuído papel de "decorativo", termo usado por Michel Temer em carta aberta a Dilma Rousseff no ano passado, ao reclamar de desprestígio no governo, é porque pactos políticos assim o fizeram, mas não deveria sê-lo. "O papel institucional do vice é de segunda pessoa da República. Isso é muita coisa, ele é uma prova de estabilidade política. Se algum parlamentar está achando que isso é decorativo, é de uma ignorância imensa". Ele lembra, por exemplo, que José Alencar, vice-presidente nos governos Lula, acumulou a vice-presidência com o cargo de ministro da Defesa de 2004 a 2006.

"Pode ter um vice extremamente ativo, como o José Alencar, que às vezes até criticava o governo, a postura do governo em relação aos empresários, então o cargo é muito também de quem assume", defende. O cientista político, portanto, acredita que uma reforma poderia discutir mudanças nas funções do vice, mas não a extinção do cargo. "As soluções que estão apresentando aprofundam a crise. Nenhum desses partidos apontam para um sentido mais estratégico de proteção da democracia".

Propostas

No relatório parcial de 27 páginas apresentado por Vicente Cândido, ele propõe, dentre outras alterações às leis eleitorais:

Financiamento público das campanhas, combinado a doações de pessoas físicas. Para isso, seria criado um Fundo de Financiamento da Democracia (FFD), a ser distribuído e fiscalizado pela Justiça Eleitoral;

Instituição de lista fechada para as eleições proporcionais de 2018 e 2022. A partir de 2026, a proposta é que seja adotado o sistema de voto distrital misto;

O fim dos cargos de vice que, segundo ele, visa economizar recursos do Executivo, diminuir espaços de barganha política de ocasião e valorizar a figura do poder legislativo na linha de sucessão;

O relatório também propõe o fim da reeleição no Executivo, com mandatos sendo de cinco anos;

Proposta do relator prevê, ainda, a proibição de parlamentares ocuparem cargos no Executivo, e mudanças nas regras para suplência de mandatos de senador.

Fique por dentro

CCJ também discute proposta vinda do Senado

Além das proposições do relatório parcial do deputado Vicente Cândido (PT-SP) para uma reforma política, a serem discutidas no colegiado especial criado na Câmara dos Deputados, está na Casa uma proposta de emenda à Constituição (PEC 282/16), aprovada no Senado no ano passado, que também altera diversos pontos da legislação político-eleitoral vigente.

O texto está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), onde aguarda votação de admissibilidade. Na última semana, o parlamentar disse à Agência Câmara que a proposta aprovada pelos senadores não se choca com o parecer apresentado por ele à comissão especial. "Um pode complementar o outro sem nenhum problema", afirmou.

A CCJ tentou votar a proposta na última terça-feira (11), mas a reunião foi interrompida pelos trabalhos no Plenário. Nova tentativa será feita na próxima semana, quando também deve começar a ser discutido o relatório de Vicente Cândido na comissão da reforma política. A PEC tem parecer favorável do relator, deputado Betinho Gomes (PSDB-PE).

Argumento

"Temos um exército de 15 mil pessoas (soma de cerca de seis mil vices com assessores) que ganham para não fazer nada"

Deputado Vicente Cândido (PT-SP)
Relator da reforma política



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