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Em mais de 30 anos de HIV no Ceará, pacientes ainda lutam por direitos

Diário do Nordeste

26/11/2016

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Casada, mãe de dois filhos adultos e já avó, a coordenadora financeira Credleuda Costa, aos 46, tem uma vida ativa. Trabalha de três a cinco dias por semana, pratica exercício físico e gosta de sair para se divertir com família e amigos. Diante de uma sociedade ainda preconceituosa, pode até não parecer, mas Credleuda é soropositiva, convivendo com o vírus HIV (vírus da imunodeficiência humana) há mais de 20 anos. Para ela, no entanto, o cenário de quem convive com a doença no Estado está longe de ser favorável.

Com a proximidade de mais um Dia Mundial de Luta contra a Aids/HIV, com data no dia 1º de dezembro, portadores do vírus ainda são obrigados a lutar por direitos básicos a sua condição, como o acesso a uma assistência médica de qualidade. Segundo aponta, a deficiência atinge, inclusive, o Hospital São José, referência em tratamento. Atuando acima da capacidade, quem precisa de atendimento muitas vezes é obrigado a esperar mais do que o ideal pelas consultas, que podem chegar a um intervalo de quatro meses ou mais, conforme conta Credleuda.

"Se descobre pessoas vivendo com o HIV todos os dias. O hospital São José está lotado. Existem os SAEs (Serviço de Assistência Especializada em HIV/Aids), mas que também não estão dando conta. Algumas unidades aqui no Estado nem computadores têm, ainda utilizam fichas manuais. Isso complica o atendimento e acaba gerando um atraso em todo o processo", diz.

O coordenador da Rede Nacional de Pessoas vivendo com HIV/Aids (RNP+Ceará), Vando Oliveira, estima que o Estado tenha, atualmente, 18 mil pessoas com o vírus, estando 60% desse público em tratamento no Hospital São José. Além da lotação, a carência de medicamentos utilizados para o combate às infecções oportunistas, conforme aponta, é recorrente. "São antibióticos simples, que não deveriam faltar, mas que faltam sempre. Tem paciente que passa até 30 dias esperando um medicamento e que, não tendo, vai provocar a evolução do vírus".

Já são mais de 30 anos da doença no Estado, mas diante de uma patologia grave e ainda sem cura, a falta de uma assistência integral, para o coordenador do RNP+Ceará, é um dos motivos, até hoje, que impede a redução do número de óbitos.

A gravidade, de fato, é refletida pelos números. De acordo com o último boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), 138 pessoas no Ceará morreram somente neste ano (dados até junho) vitimadas pela Aids. Até o último dia 16 de novembro, 585 novos casos foram confirmados pela secretaria.

No Ceará, ainda conforme o levantamento, a maior ocorrência da doença ocorre na faixa etária adulta de 30 a 39 anos, seguida dos adultos jovens de 20 a 29 anos. A categoria de exposição com maior prevalência dentre os casos notificados é a heterossexual, representando 44% das notificações. Dentre os homens, entre os anos de 2007 e 2016, observa-se um aumento de casos entre os homossexuais. Já entre as mulheres, é predominante a categoria heterossexual, com margem acima dos 80% dos casos na série histórica.

Retrocesso

O desafio de quem luta contra a doença também é visto como macro, na avaliação de Dediane Souza, coordenadora do Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB), organização não-governamental que defende, entre as causas, os direitos de pessoas vivendo com HIV/Aids. Segundo aponta, o retrocesso nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) atinge diretamente o tratamento das pessoas com HIV/Aids. "Se a gente fragiliza o SUS, fragilizamos todos os tratamentos, os investimentos, a assistência como um todo. Existe um grande mote das políticas municipais e estaduais pelo Brasil, que é a despriorização das políticas de Aids. Em nível estadual, nós tínhamos uma coordenação e hoje temos uma área técnica. Em nível municipal, tínhamos uma área técnica e hoje é um grupo de trabalho", explica.

A coordenadora ressalta, ainda, a necessidade de fortalecer o debate sobre a prevenção primária, especialmente no ambiente escolar, assim como as políticas de assistência às populações mais vulneráveis à epidemia, como pessoas em situação de rua ou usuários de drogas. "O governo federal tem uma prioridade central de testar e tratar, mas cadê o debate central sobre a vulnerabilidade do sujeito? É preciso fortalecer a política de assistência e a política de serviços, linkados com o trabalho comunitário", comenta.

Trabalhar a prevenção a partir do viés educacional também é uma estratégia defendida pelo coordenador do RNP+Ceará, Vando Oliveira. Para ele, a falta de discussões e campanhas recorrentes sobre o tema dificultam o esclarecimento da população, seja em relação à gravidade da doença, ao diagnóstico, formas de prevenção, importância do tratamento, entre outros aspectos. "Não existem campanhas frequentes falando da importância das pessoas fazerem o teste, falando que o diagnóstico quanto mais cedo melhor. Ainda há pouca informação, o que leva as pessoas a terem um medo muito grande. Não dá para não se ter campanhas numa epidemia que não está controlada e que só aumenta todo dia", diz.

Credleuda Costa, 46, acredita que reforçar a educação para além de datas pontuais também é uma forma de combater o preconceito ainda presente e que, aliado a uma assistência falha, contribui para o agravamento do quadro de quem vive com a doença. "A pessoa com HIV tem o direito de viver, de estar na sociedade porque ela é um ser humano. O direito das pessoas com HIV são violados quase todos os dias, principalmente quando um tratamento é interrompido, quando falta a medicação. Isso é uma violação pois retarda o tratamento de uma pessoa e o que a gente quer é que se tenha uma maior qualidade no atendimento a essas pessoas. São mais de três décadas que o HIV está aqui e ainda se precisa citar isso todos os dias".

Rede

O Ceará conta, hoje, com 26 unidades de saúde habilitadas para atendimento a pessoas com o vírus HIV, segundo ressalta a técnica do Núcleo de Vigilância Epidemiológica da Sesa, Telma Martins. Segundo afirma, o número de serviços tem aumentado ano a ano, mas ainda segue lento se levada em consideração a oferta de testes rápidos, em crescimento maior e que, segundo diz, chega atualmente a 90% dos municípios cearenses. "Em 2015, nós fizemos 192.710 testes rápidos. Em 2016, até novembro, nós fizemos 283.250 testes rápidos. Só nessa metodologia de teste rápido, a gente já tem aumentado a cada ano o numero de diagnóstico", afirma.

A estratégia, inclusive, é a grande meta da Secretaria, conforme acrescenta, por avaliar que a utilização do teste rápido vai muito além do que apontar um diagnóstico. A técnica explica que junto ao teste sempre é realizado um trabalho educativo de prevenção. O diagnóstico tardio é apontado por ela como dentre os motivos do Estado não conseguir reduzir o índice de óbitos. "O número está estável, mas em um patamar muito alto. A má adesão aos antirretrovirais, a resistência ao tratamento, ou o próprio abandono, tudo colabora para essa mortalidade ainda alta", explica.

Telma admite a necessidade de ampliar o ambulatório do Hospital São José, mas defende a descentralização da assistência para outros municípios. "O hospital deveria funcionar como referência para os casos mais complexos e os outros casos encaminhados para unidades de menor complexidade. A gente vem fazendo isso, mas ainda está muito aquém. Essa decisão de implantar o atendimento é dos secretários municipais de saúde. A rede precisa ampliar para as unidades básicas e esperamos que em 2017 a gente tenha mais apoio para isso". Telma atribui, ainda, a demora no repasse dos antibióticos a problemas com os fornecedores. "Infelizmente esse é um problema que estamos tentando melhorar, mas não está sendo fácil".

Ainda sobre a descentralização, a assessoria de comunicação da Sesa informou que a Pasta trabalha na formação profissional para o atendimento, também, nas policlínicas.
dsa

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