Diário do Nordeste
12/08/2016
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que só as câmara de vereadores podem tornar inelegível um prefeito que teve suas contas rejeitadas pelos tribunais de contas dos municípios foi rechaçada ontem na Assembleia Legislativa do Ceará.
"Lembro que no ano de 2010 comemorávamos quando a Lei Complementar 135 foi aprovada pelo Congresso Nacional. Bestial ilusão", assim se posicionou em seu discurso o deputado Fernando Hugo (PP).
Agora, para ficarem impedidos de disputar a eleição, os prefeitos terão que, além da desaprovação do Tribunal que auxilia o Legislativo na análise dos gastos, serem julgados pelos vereadores. "O Supremo acabou com os tribunais de contas dos municípios. Peço a Chico Aguiar (presidente do TCM-CE) que mande os conselheiros para casa, pois acabou o trabalho".
"O Supremo determina que só passe a valer a análise das câmaras municipais. Sou parlamentar e vivencio esse país e esse Ceará e, sabemos que para aprovação de contas do Interior, principalmente, vale muito mais a relação presencial de momento do prefeito com os vereadores. Quem toma decisão com esta mostra que não conhece a realidade da política aplicada nos municípios brasileiros".
Fernando Hugo citou casos já ocorridos em território cearense quando prefeitos teriam negociado com vereadores a desaprovação das contas de ex-gestores.
"De agora em diante isso será ainda mais comum, porque o Supremo estimulou que exista essa prática. Nos preparemos para navegarmos na contramão do momento histórico que o país vive. Quem for bandido se candidate porque de agora em diante o STF vai passar a exigir carteira de bandido para indivíduo se candidatar", disparou.
Em discurso inflamado do início ao fim, Hugo lamentou que a decisão tenha sido divulgada no dia em que o advogado Djalma Pinto, especialista em direito eleitoral, defensor da moralidade na política, lançava seu livro onde fala sobre a ilusão da Lei da Ficha Limpa.
Ele também lembrou que está agendada para hoje a entrega ao Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) das listas de gestores que tiveram as contas desaprovadas pelos Tribunais de Contas do Município e do Estado.
Os presidentes do TCM e do TCE, conselheiros Francisco Aguiar e Edilberto Pontes, farão a entrega das listas ao presidente do TRE-CE, desembargador Abelardo Benevides Moraes, na presença dos membros da Corte da Justiça Eleitoral. "Chico (Aguiar), você é um homem de bem, não perca seu tempo entregando relação de prefeitos fichas sujas, se o Supremo diz que precisa ser bandido para ter a candidatura garantida e, assim, o Brasil caminha para trás. Ao mesmo tempo em que se aplaude a Operação Lava Jato a casta maior da Justiça desarma tudo o que legitimamente através dos tribunais se poderia fazer".
Mas as críticas não se limitaram aos ministros do STF. Para Hugo, a falta de mentalização política do eleitorado é o que dá oportunidade para "corruptos" ocuparem os espaços políticos.
"Sempre votamos mal. O que existe de péssima representatividade popular nas câmaras, assembleias, no Congresso e até na presidência da República, é fruto do voto, que é sabidamente o passo mais importante que a democracia oferece para que se possa ter a igualdade soberana. Esse ato no Brasil precisa ser melhorado", apontou.
Riscos
Outro que chamou atenção para os "riscos que a decisão do Supremo oferece", foi o deputado Ferreira Aragão (PDT). Ele concordou que a definição significa um retrocesso eleitoral.
"A partir de agora o vereador ficou ainda mais gabaritado e vai se valorizar muito mais na frente do prefeito que terá seu destino nas mãos da Câmara que seguirá a orientação do Tribunal de Contas se quiser. Se o prefeito tiver a maioria dos vereadores ao seu lado, terá as contas aprovadas sem problema, mas se for o contrário, já sabemos como será a decisão", analisou.
Assim como fez Hugo, o pedetista afirmou que os eleitores deveriam fazer mea-culpa, expressão em latim que significa minha culpa. "Deveria olhar perante o espelho e dizer que tem culpa por não saber votar. O grande problema existente hoje no processo eleitoral está na qualidade do voto", disse.
"Lembro que durante uma das minhas campanhas eu fiz um livreto onde mostrava que fui o parlamentar que mais produziu entre os anos de 2006 e 2010. Entregava ao cidadão que olhava, lia e ao terminar me pedia que pagasse uma conta de luz. De que adiantou todo o trabalho que fiz?", questionou.
Na contramão do pensamento dos dois primeiros parlamentares, o deputado Sérgio Aguiar (PDT) expôs sua impressão sobre a decisão, apontando que não há nenhuma usurpação do poder de julgamento dos tribunais de contas, mas tão somente um esclarecimento sobre o que deve ocorrer sobre as contas de prefeitos que ocupem posições de gestores municipais.
Para ele, muitos podem pensar que as contas de governo dos prefeitos têm a característica de serem julgadas pelo TCM.
"O que foi definido foi que o prefeito, estando gestor de qualquer pasta vai ter o seu parecer prévio proferido pelo TCM, entretanto quem vai fazer o julgamento são as casas legislativas".