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Ações de combate à corrupção em âmbito nacional têm reflexos no CE

Diário do Nordeste

02/07/2016

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Lava-Jato, Zelotes, Recomeço, Custo Brasil. Nos últimos meses, o Brasil tem sido revirado por operações que trazem à tona complexos esquemas de fraudes e de corrupção protagonizados por atores da política nacional. O epicentro de tantos escândalos é, na maioria dos casos, a capital federal, mas abalos semelhantes, em diferentes níveis, se espalham por todo o País. Prova disso é que investigações do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) já resultaram, de janeiro para cá, em 16 processos contra gestores públicos em tramitação no Tribunal de Justiça Estadual. Destes, cinco são denúncias criminais cujos alvos são prefeitos.

Outras investigações estão em andamento, mas a situação ainda não é a ideal: o trabalho de combate à corrupção em território cearense esbarra em desafios estruturais. Quem diz isso é a procuradora Vanja Fontenele, que coordena, desde o início deste ano, a Procuradoria dos Crimes Contra a Administração Pública (Procap), órgão que atua contra agentes públicos que praticaram crimes contra a administração pública e que tenham foro privilegiado por prerrogativa de função. Caso, por exemplo, de prefeitos, secretários de Estado, deputados estaduais ou dos comandantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros.

"Nós já temos alguns gestores denunciados criminalmente. Quando o Ministério Público denuncia criminalmente, é porque existe o convencimento do membro da instituição de que houve um crime, e esse crime passa a ser apurado pelo Poder Judiciário. As provas já foram reunidas, então o gestor vai ser ouvido, existe um procedimento processual para ser efetivado. É o que acontece na Lava-Jato quando existe uma condenação: precede uma denúncia e um processo criminal", detalha.

Juazeiro e Nova Olinda

Das cinco denúncias criminais contra prefeitos, informa a procuradora, três estão sob sigilo. As outras duas resultaram de investigações na região do Cariri. No início de junho, a Procap denunciou o prefeito de Juazeiro do Norte, Raimundo Antônio de Macedo, e o ex-secretário de Saúde do município, José Damásio Soares Costa, por fraude em dispensas indevidas de licitações. Segundo o MPCE, após contratar diretamente com empresas, sem licitações, a gestão municipal pagou valores superfaturados de medicamentos, gêneros alimentícios e outros produtos - um prejuízo de R$ 209,4 mil.

Na outra denúncia, feita em maio, a Procap tratou de ato de improbidade administrativa praticado pelo prefeito de Nova Olinda, Francisco Ronaldo Sampaio. Ele foi acusado de contratar a namorada, Viviane Chaves dos Santos, como psicóloga, mas ela nunca prestou serviço na cidade, já que é funcionária em Codó, no Maranhão, a mais de 700 quilômetros de distância.

Também foram acusados por improbidade administrativa o secretário de Saúde, Pedro Neto de Sousa, e o chefe de Gabinete, José Alyson dos Santos Silva. Este último e o prefeito foram afastados - temporariamente - pela Justiça no dia 10 de maio.

Denúncias

Vanja Fontenele relata que muitos dos procedimentos em andamento na Procap são originários de pessoas que levam ao órgão informações a respeito do que entendem como irregularidades sendo praticadas. Segundo ela, ações do tipo têm se tornado mais frequentes diante das denúncias de corrupção em âmbito nacional. "A gente percebe que as pessoas se sentem estimuladas. Alguns são políticos dos próprios municípios, e acho que isso é importante para uma mudança cultural, em que nós nos responsabilizamos pelos nossos deveres em relação ao que está acontecendo com a sociedade".

Questionada se as operações deflagradas em esfera nacional chegam, de modo mais prático, ao Ceará, a coordenadora da Procap explica que há uma delimitação de competências distintas. "Nas investigações em nível nacional, até agora, não encontramos nenhum vínculo com a questão estadual, por motivos claros de que existem competências. Existe a competência do Estado e a da União, que dificilmente podem ser compartilhadas", diz.

"Então se, porventura, alguns desses crimes que nós aqui apuramos tiver, por exemplo, a participação de um deputado federal, teremos que passar a investigação para a esfera da União. Não podemos apurar isso aqui. Tem que ser decidido, inclusive, no STJ (Superior Tribunal de Justiça). São coisas distintas. As nossas investigações, quando tocam na esfera federal, vão para lá", acrescenta.

Parcerias

Parcerias, contudo, também existem. A procuradora aponta, por exemplo, que o MPCE tem dialogado com o Ministério Público Federal (MPF) para que atuem juntos em uma investigação que está sob sigilo no Ceará. Dadas as deficiências estruturais no órgão, ela destaca, ainda, que outras instituições, como o Tribunal de Contas da União (TCU), o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) e a Polícia Federal (PF), também têm sido procuradas para que a Procap possa cumprir seu papel.

"A estrutura não é a ideal. É por isso que estamos fazendo parcerias com vários órgãos e a Procuradoria Geral tem investido em equipamentos de tecnologia para que nos possa facilitar as investigações. Nós estamos nesse processo de investimento, de parceria, exatamente para que possamos chegar às diligências que podem desvendar o que queremos aqui", pondera.

Enquanto que, nacionalmente, delações premiadas, como a do ex-presidente da Transpetro e delator da Lava-Jato, Sérgio Machado, têm colocado holofotes sobre o recorrente pagamento de propinas que seriam utilizadas para irrigar campanhas eleitorais, Vanja Fontenele afirma que, no Ceará, muitas investigações da Procap se debruçam sobre licitações, mas ainda não há conclusões de que indícios de irregularidades já encontrados sinalizem para tal fim.

"Não podemos afirmar que algumas licitações que consideramos com irregularidades sejam, de fato, para alimentar campanhas eleitorais. Elas podem ter outros indícios, mas o que mais encontramos aqui são contratos oriundos de licitações. Em alguns, encontramos licitações com superfaturamento, com outras irregularidades, mas não podemos afirmar que são para irrigar campanhas. O fato é que têm irregularidades e estão em apuração", esclarece. "Ao final das investigações é que vamos saber qual é o objetivo delas - se eram para conta pessoal do gestor, para alimentar as campanhas eleitorais ou pode não ser nenhuma dessas coisas", argumenta.

Lentidão

Uma vez que a denúncia chega ao Judiciário, a procuradora ressalta que o Ministério Público continua acompanhando o processo, mas admite que, no Brasil, ainda é moroso o caminho para que, após a comprovação de crime, o responsável seja penalizado. "A gente tem uma legislação processual que, inclusive, está sendo alvo de modificações, porque possibilita muitas estratégias que adiam (o avanço do processo), além do que existe o expediente do próprio Poder Judiciário que interfere nessa questão do tempo. Se eu estou satisfeita com a velocidade das investigações? É claro que não. Nós estamos vendo uma velocidade bastante inovadora na Lava-Jato, mas ali o juiz Sérgio Moro está apenas com esse processo".

Além disso, a coordenadora da Procap salienta que uma investigação é realmente demorada. "As pessoas que estão sendo investigadas tomam todos os cuidados para não deixar rastros, então é preciso que tenhamos uma expertise maior para identificar intenções escusas, atos que são ilícitos", pondera.

Por isso, ela destaca, também, que o órgão tem começado a desenvolver uma linha de atuação preventiva, em casos, por exemplo, de licitações com indício de irregularidade. "(Após) A ação de improbidade que é promovida pelo promotor de Justiça onde o fato ocorre, por mais que tenhamos habilidade, nunca conseguimos recuperar totalmente o prejuízo. Se saíram R$ 10 milhões de um município, você dificilmente consegue recuperar os R$ 10 milhões. Então estamos começando a desenvolver processos de prevenção".

Segundo Vanja Fontenele, uma pessoa foi designada para acompanhar portais de transparência e outras mídias das administrações, com foco em procedimentos que ainda não foram concluídos. "Quando encontramos alguma coisa que nos chama a atenção, agimos antes que a licitação termine, antes que o contrato seja firmado. Nesse caso, evitamos que o recurso saia do município", conclui.

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