Diário do Nordeste
30/05/2016
Num efeito dominó, o rombo dos orçamentos públicos chegou ao elo mais fraco: as prefeituras. Com caixa mais apertado e pouca capacidade de arrecadação, os prefeitos têm lançado mão de várias medidas para fechar as conta, o que inclui desde a demissão de funcionários até a redução do horário de expediente dos órgãos públicos. O malabarismo, porém, não deve ser suficiente, posto que, nacionalmente, mais de 60% das prefeituras vão terminar o ano no vermelho, de acordo com pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). No Ceará, tal percentual pode ser ainda maior, diz o consultor econômico e financeiro da Associação dos Prefeitos do Ceará (Aprece), José Irineu de Carvalho.
"Dos 184 municípios do Estado, apenas uns dez, tais como Fortaleza, São Gonçalo do Amarante e Eusébio, têm arrecadação própria suficiente para bancar suas despesas. Os demais são bastante dependentes de repasses como o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios)", destaca Carvalho. "Assim, creio que teremos bem mais do que 60% fechando o ano no vermelho. A situação por aqui é alarmante", complementa o consultor econômico e financeiro da Aprece.
Ainda de acordo com Carvalho, o FPM, por exemplo, já acumula uma defasagem real de 12% entre janeiro e maio deste ano (2,32% nominal mais a inflação). "O problema não é só 2016, já que no ano passado também tivemos um grande desequilíbrio nas contas. O último ano bom foi 2011", diz o consultor.
Pano de fundo
A deterioração das contas dos municípios, assim como vem ocorrendo com os governos estaduais, tem como pano de fundo a grave crise fiscal que assola o Brasil. Entre os estados, o problema foi agravado pela combinação entre alta da dívida e aumento das despesas com pessoal.
Nas prefeituras, o nó está na alta dependência das verbas da União. Com arrecadação mais fraca desde o ano passado, os prefeitos têm sido afetados pela queda nos repasses públicos. Hoje, apenas 10% dos 5.570 municípios do País têm arrecadação própria para bancar as despesas.
Na maioria dos casos, a principal fonte de recursos é o FPM, composto pela arrecadação do Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produto Industrializado (IPI). E qualquer corte nesse fundo faz um estrago enorme nos cofres dos municípios.
Com a recessão econômica, que derrubou a arrecadação dos governos federal e estaduais depois de quase uma década de alta ininterrupta, os repasses começaram a minguar. No ano passado, o FPM teve queda real (descontada a inflação) de 2,3% e, neste ano de 13,7% até abril. Enquanto isso, as despesas com pessoal - principal gasto das prefeituras - e custeio continuaram a crescer. Só o piso salarial dos professores subiu 11,36%.
O resultado dessa equação não tem sido positivo: falta dinheiro para pagar salário, fazer obras de infraestrutura, comprar remédios, abastecer os veículos e garantir a merenda escolar. A situação é tão grave que entrou no conjunto de prioridades do presidente em exercício Michel Temer. Em seu primeiro discurso, ele falou da necessidade de uma reformulação do pacto federativo que hoje provoca desequilíbrio entre as três esferas públicas na repartição dos tributos. "Estados e municípios precisam ganhar autonomia verdadeira sobre a égide de uma federação real, não sendo uma federação artificial, como vemos atualmente", afirmou.
R$ 165 bilhões a menos
Ao todo, pelo menos R$ 165 bilhões deixaram de entrar nos cofres dos municípios nos últimos anos. Do total, R$ 122,7 bilhões são fruto de desonerações do IPI e IR, que diminuíram as transferências do FPM. Os cálculos foram feitos pela pesquisa da CNM no período de 2008 a 2014.
A outra parte refere-se aos chamados restos a pagar - valores empenhados que não receberam desembolso do Tesouro e foram transferidos para o ano seguinte. Segundo o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, de 2003 para cá o governo deixou de pagar aos municípios R$ 43 bilhões. No total, são 80 mil empenhos referentes a obras iniciadas e emendas.