População se reuniu ontem para celebrar o Natal na Praça da Bandeira e reivindicar por mais políticas públicas
Enquanto uma parte da população se preocupa com os festejos e presentes natalinos, um outro grupo, excluído da sociedade, só pensa em onde passar a noite e no que comer no dia seguinte. São moradores de rua que nessa época ´invadem´ a Capital na busca de um futuro melhor ou de uma simples esmola. Há, em dezembro, uma média de aumento da população pedinte em 35%. Dados recentes da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) contabilizam 2.020 pessoas em situação de vulnerabilidade. Dessas, 95% estão aglomeradas no Centro da Cidade.
"Esse número deve ser bem maior, pois tem gente que não quer se cadastrar por temer problemas na justiça. Nosso último mapeamento dava conta apenas de 1.701 deles", afirmou Andreia Cortez, coordenadora dos Projetos Sociais Especiais. A gestão promete, em 2012, realizar um novo mapeamento.
Ontem, parte desses moradores de rua se reuniu na Praça da Bandeira para festejar o Natal. Para Andreia, o fim de ano remonta à saudade da família, dos afetos do lar. Daí, a realização da festa de modo coletivo.
Surpresa
Um casal em especial chamou a atenção no meio dessa multidão. O filho José Carlos dos Santos, 38 - morador de rua desde a infância - reencontrou a mãe, Lucimar dos Santos 64.
Foi um momento mágico, um belo presente de natal. A genitora soube da celebração e teve a certeza de que lá reveria José.
Eles foram uma prova de que, apesar da situação de moradia, os vínculos podem ser refeitos. "Ter visto minha mãe nesse fim-de-ano foi lindo, uma surpresa boa. Eu já prometi para ela que iria tentar passar a ceia com ela e todos os meus irmãos", diz.
No momento do abraço de saudade, não faltaram sorrisos e lágrimas. Ambos saíram de lá com a boa sensação de que a vida pode e deve ser reconstruída com amor. Ainda dá tempo.
Vendo a cena, o Padre Lino Allegri, da Pastoral do Povo de Rua de Fortaleza, lembrou o modo simples como Jesus nasceu. "Cristo também veio ao mundo como os moradores de rua, sem muito luxo. É um exemplo de fé para todos", frisa.
Entretanto, o momento não é só de festejo, mas de reivindicação. "A população de rua precisa de direitos. Estão necessitados de abrigos, habitação e saúde. A Prefeitura até promete, mas não consegue concretizar os mais básicos dos pedidos".
HÁ TRÊS MESESCasal se abriga nas alturas
Quem passa pela Avenida Pessoa Anta, na Praia de Iracema, perto do prédio da Secretaria da Fazenda (Sefaz), nem observa que um casal de moradores de rua vive nas alturas. Não moram na cobertura de um prédio chique e nem em um sobrado de janelas para o mar. Escolheram um local mais inusitado: em cima de uma parada de ônibus.
Gerliane Sousa, 34, e Ismael Araujo, 31, vivem lá há três meses, sob os olhares curiosos. Dormem, se alimentam, trocam de roupa e até recebem visitas. A escolha do cantinho apertado foi devido à maior segurança.
"Aqui no alto ninguém incomoda tanto e nem roubam nossas coisas. Temos mais privacidade e, ainda, temos as luzes de natal lindas lá do prédio da Sefaz piscando à noite", contou a jovem que vive na rua há 4 anos.
Ontem, pela manhã, uma pedra acertou a cabeça de Gerliane. Não estão tão imunes assim.
Desafios
Apesar de estarem acostumados com o exótico abrigo, Gerliane e Ismael sonham mesmo em ter uma casa própria para, juntos, tentarem realizar o sonho. Juntam dinheiro carregando caixas para o galpão em frente à parada de ônibus. "A vida na rua não é fácil. Mas um dia vai melhorar", diz Araujo.
Ele nasceu no Pará, viajou para Fortaleza na busca de emprego. Ela argumenta que o motivo de estar na rua é a depressão que sofreu com a perda da mãe e dos vínculos familiares.
Um dos poucos que notou, na noite de ontem, a presença dos dois foi o funcionário público, Airton do Nascimento, 48. Ele acha interessante o modo como ambos se arranjaram. "Mas torço para que eles consigam algo melhor. São gente boa", ponderou, enquanto trazia uma camiseta de doação para Araujo.
Para os que vivem na rua, a Secretaria Municipal de Assistência Social conta, entre outros instrumentos, com um Centro de Apoio à População de Rua, espaços de acolhimentos e serviços de saúde e atendimentos.
IVNA GIRÃOREPÓRTER
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