COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

Aldemir Celedônio e a Praça do Ferreira

Airton Maranhão (in memorian)

17/12/2014

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O ser humano orgulhoso é um criador de psicótico, que transforma o normal num monstro invisível, amargurado e triste, distante da sociedade do que não pretende ser na vida real. Que embora vivendo entre os melhores luminares da existência, não sabe como ocultar a essência de sua máscara. Na verdade, essa máscara traiçoeira da qual lhe esconde o perfil da farsa que vagueia nos seus horizontes, é a fantasia da aparência, que quando muda de face, é que percebe o tipo de homem que é de verdade. Nesse vestígio, o homem orgulhoso é o único animal que busca a vingança do silêncio. Porque não tem misericórdia nem consigo mesmo, para ganhar o autógrafo da solidão. Porque não se trata de sátira e nem de estória de trancoso. Tudo é pura verdade. Aldemir, além de ter medo de soldado, tinha esse defeito maldito. Ele tinha uma vaidade excessiva Era muito orgulhoso, calado e arrogante. Desde menino Aldemir Celedônio tinha um sonho que seria o maior de sua vida, e o última de sua existência. Conhecer a Praça do Ferreira, principal ponto turístico de Fortaleza. Esse era o fascínio maior de Aldemir. Ainda mais quando ficou sabendo da morte do poeta Mário Silveira, que foi assassinado em 1922, aos 21 anos de idade, por um advogado ciumento. Assim, adolescente, juntou o dinheiro da passagem de ida e volta - Russas-Fortaleza. Pegou o ônibus às seis horas da manhã, e partiu para a capital cearense. Chegando à Praça da Estação, desceu do ônibus e rumou para a Praça do Ferreira. Sentou-se num banco e passou a se maravilhar com aquele belo espaço público, e realizar o seu grande sonho. E alí, sentado num banco da praça, já perto do horário de voltar para Russas, eis que de repente surgem dois soldados andando rápido para o seu lado. Aldemir, apavorado, levantou-se de supetão olhando em pânico de um lado para o outro. E como um enlouquecido, passou a correr em desespero pela Rua Guilherme Rocha. Os dois policiais, ao notarem aquele rapazote correr ao avistar a polícia, como foge um assassino, um ladrão, um bandido, e em meio à gritaria da algazarra num drama de suspense, começou a perseguição policial, e após uma intensa caçada, finalmente, com muito trabalho, os soldados conseguiram prender o aterrorizante, estranho, e selvagem Aldemir. E depois de arrastá-lo pela Praça do Ferreira, levaram-no preso para o Prédio da Secretaria de Segurança. Abatido e assustado o pobre russano, esvaía-se em prantos. E logo o delegado indagou: qual foi o crime que você cometeu, rapaz? Aldemir, choramingando, respondeu: “eu só estava olhando a Praça do Ferreira”. “E por que você correu quando viu a polícia?” Aldemir, sem olhar para o delegado, tremendo a fala, respondeu: “É que eu tenho medo de soldado.” A galhofa tomou conta dos presentes. “Quer dizer que você correu porque tem medo de soldado?” “Sim senhor, eu tenho medo de soldado!” Com o desabafo de Aldemir, todos ficaram calados, com pena do pobre coitado, que não parava de choramingar. “Eu vim de Russas só para conhecer a Praça do Ferreira.” “É isso mesmo, rapaz? “Sim senhor! Taqui a passagem de volta para Russas, mas eu perdi o ônibus.” O delegado ficou perplexo. “Eu sempre fui doido para conhecer a Praça do Ferreira. Aí, quando eu estava admirando a praça, vi os soldados olhando para mim. Aí eu corri!” O delegado botou as mãos na cabeça, enfurecido, e gritou: “Vocês prenderam essa rapaz só porque ele estava sentado num banco da Praça do Ferreira? Vocês não sabiam que esse rapaz é de Russas? Terra do pistoleiro Nilson Cunha, famigerado matador de aluguel? Vocês não sabiam que ele é de Russas, terra do famoso maestro Orlando Leite? Vocês não sabiam que ele é de Russas, terra do General Cordeiro Neto, que foi o mais louvável Chefe de Polícia e Secretário de Polícia e Segurança do Estado do Ceará? Ai, meu Deus! Pelo amor de Deus! Levem esse rapaz agora mesmo para Russas.” Aldemir era um homem bonito, com ares de cavalheiro grã-fino, que só andava bem pronto, vestido de paletó branco, e educado, mas às vezes ignorante ao extremo, e acima de tudo, era considerado um homem muito valente. Ao que se deve sublinhar, que quando jovem Aldemir foi funcionário do Banco do Nordeste. Filho de um dos maiores fazendeiros do vale do Jaguaribe, Alexandre Celedônio. Candidato e eleito a vereador pelo município, dono de caminhões e sítios de laranjais. Aldemir, que por conflito com seus familiares, saiu de Russas e veio para Fortaleza, para tratar de um inchaço na perna esquerda, que causava febre, dor de cabeça e mal-estar, sem saber que se tratava da doença nominada de Erisipela. Mas, desprezado pela família, passou a residir na Praça do Ferreira, como morador de rua. E talvez, cumprindo a sina do seu destino, passava o tempo sozinho, sentado no banco da praça. Não andava em grupo, não usava colchão de papelão, nem travesseiro de tijolo. Dormia sentado no banco da praça sem se importar com o desprezo das pessoas, como um insignificante mendigo, morador de rua, sem lar e sem família. Indiferente à violência e a marginalização como quem esperava a morte, apreciando a Praça do Ferreira. Aldemir não tinha medo de virar as noites acordado naquela praça, sentado sozinho num banco, olhando para a Coluna da Hora. Não tinha medo de ladrão, facínora, desordeiro, extraterrestre, nem de cemitério. Mas tinha medo de hospital. E no final da tarde do dia 27 de novembro/2014, numa quinta-feira, a Erisipela de sua perna esquerda estourou em hemorragia. Mas, mesmo assim, esvaíndo-se em sangue, por conta da hemorragia da Erisipela, orgulhoso, ignorante e enraivecido, embora débil, recusou-se a ir para o hospital. E assim, Aldemir Celedônio, morreu sentado num banco da Praça do Ferreira. 

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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