COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

O jumento fantasmagórico de Maria Lôdo

Airton Maranhão (in memorian)

21/07/2014

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Existia em Russas uma mini floresta de beleza natural que causava medo e espanto, com um perturbador cantar de pássaro durante o dia, e um assustador silêncio durante a noite. Local nebuloso, estranho e bizarro, parecido como retiro de abandono de ladrão de túmulos. Como o macumbeiro Roseno atribuía as causas de satanistas. Aquele lugar esquisito era o Poço do Velho André, que se transformou num conto de terror pelo imaginário popular. Com as lendas de arrepio de personagens malditas que perambulavam pelas margens do riacho Araibu, considerado o local mais mal-assombrado de Russas. Pelos boatos e histórias de mal-assombro, contadas por muita gente que frequentava o lugar. Como narrava o lendário Zé do Canário que por baixo das águas daquele poço, existe uma estranha catacumba que abriga os restos mortais do avô do monstro Zebio. E que algo mais que estranho e maligno, corria como aparições por entre as árvores que balançavam e gemiam pavorosas. Visagens eram vistas andando nas trilhas e veredas vazias. Ouvia-se de todos os lados, choro, gritos, gemidos e urros de monstros acorrentados. E que por entre os galhos e folhas das árvores, grandes olhos brilhavam na escuridão. Dizia que eram dos doentes mentais que fugiam dos sanatórios, e do meio escuro ficavam olhando para as pessoas, como mutantes. Também contava o Zé do Canário, que o lugar era sombrio e mal-assombrado. Porque ao adentrar na pequena floresta, para pescar no profundo poço, tinha sensação de ser perseguindo por um jumento fantasmagórico. E de repente a história desse animal causou muita curiosidade e falatório absurdo.  E sem ninguém imaginar, o inesperado jumento fantasmagórico surgiu do Beco do velho Sebastião do Sabão, pai do Rantizau, Tabelião do Cartório de Russas, e passou a noite olhando para a igreja matriz. E o sacristão Tonico, assombrado, tocou em pavorosa o sino, que repicou assustadoramente por todo o município. E rapidamente, numa dose dupla de estranheza, sugiram os boatos horripilantes. E muitas vezes, quando o sino da matriz repicava a meia-noite, o povo corria para frente da igreja, para constatar o falatório, de que o jumento mal-assombrado estava olhando para o monumento sacro. Mesmo se o Tonico badalasse o sino, para soar o dobre fúnebre de que havia morrido algum russano. Mas logo foi desvendado o mistério. Zé Miragem, Nêgo Caboquim, Zé da Onça, João Buema, poeta Batente e Lalá, mulher do Zebio, noticiaram que o jumento fantasmagórico pertencia à diabólica Maria Lôdo, que andava pelo Poço do Velho André. Criatura misteriosa de um meado de século de feições nobres, e traços característicos de mulher holandesa. Cabelos louros, pele vermelha queimada de sol, vestida de linho branco, meias de cor de jerimum, com lírios, face estranha, com sorriso estampado num rosto amargurado, que pincelava longínquos vestígios de uma beleza rara, embora com os olhos frios e vazios numa expressão de desespero e espanto, ante o brilho azulino, que era deslumbrante. Que tinha uma mão amputada, com um girassol amarrado no pulso. Com tal descoberta, o Nego Leudo passou a fazer campana naquele local assustador, com o seu lambe-lambe, para fotografar o jumento fantasmagórico. E quem sabe, até a malfazeja figura da Maria Lôdo. Que sem aliviar o medo, pensava que se tratava mesmo de uma louca, para perambular com um jumento fantasmagórico, no esconderijo onde o famoso pistoleiro Catanã se escondia, para planejar os seus crimes de execução naquelas matas quase virgens, infestadas de beija-flor, asa-branca, casaca-de-couro, maracanã e periquito. Sem pensar no contraste das estórias de almas penadas, visagens e gemidos tenebrosos do provocador de mentiras, o finado Edson do Peba, que havia morrido afogado naquele poço no dia da mentira. Além dos disparos das armas de fogo do Catanã, para assustar a polícia, e apavorar o Cabo Guedes. Tantos boatos, que muitas noites, pela madrugada, o padre Valério abria a porta da igreja, apontando uma escopeta a imaginar que o jumento fantasmagórico olhava para a sua igreja. No olhar da Maria Lôdo, existia uma fera para pegar os meninos e botar no bisaco do papa-figo. Ela amedrontava o touro do Zé Bem Bem, que ciscava enfurecido, às margens do riacho Araibu, perto da casa do poeta Batente e do monstro Zebio. E quando o relógio da Coluna da Hora, da Praça Monsenhor João Luiz, badalava a meia-noite, Maria Lôdo olhava para o girassol amarrado no pulso e dizia: “está certo com o londrino”. Depois, o jumento fantasmagórico, com os olhos de assombro, no meio do Beco do Zé Ramalho, ficava a olhar para a igreja de São Sebastião. E em seguida, corria para a Rua Monsenhor João Luiz, e parava defronte a igreja do Colégio das irmãs. E misteriosamente ficava a olhar para Zé Caluca, na calçada de sua casa, sentado numa cadeira de balanço, com um pote d’água ao lado. Que, sem nenhum medo, mirava o jumento fantasma, fazendo o bicho sumir em louca correria, até ao Cruzeiro da Maria das Quengas. Muitas vezes, por trás do velho Fórum de Russas, o jumento fantasmagórico aguçava as orelhas, como a ouvir o advogado, Dr. Antônio Ribeiro, orador da tribuna, naquele recinto. Depois que morreu o monstro Zebio, nunca mais o fantástico jumento apareceu para mirar as igrejas de Russas.

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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