COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

Cosmildo - O sonâmbulo

Airton Maranhão (in memorian)

06/07/2014

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O nosso conhecido Assis Doido, só não se tornou celebridade, porque não nasceu para a fama e nem para gloria. Quando pelas ruas de Russas dizia: “eu não entendo, eu não entendo porque os negros pretos do Tabuleiro dos Negros encheram de lágrimas, a lagoa Caiçara.” E continuava: “eu não entendo, eu não entendo!” Nesse novo milênio, eu não entendo o mundo cheio de loucos sem hospícios, maníacos sem cura, gênios sem emoções, jovens que não são adeptos à leitura de livros, revistas e jornais. E que matam o português com abreviações da linguagem “internetês”. E a descrição dos seus crimes, impressiona até a linguagem secreta do cérebro dos computadores, sem decifrar o buraco negro no céu. O que espera o homem moderno, sem usar máscaras antipoluição? Para trilhar rumo ao Apocalipse do lixo industrial, das partículas radioativas, da poluição sonora como ancestrais hominídeos em conflito com a nova linguagem de analfabetos dos erros gramaticais, como recurso lingüístico da escrita do fim da humanidade? Sem nada de proveito em busca do mistério interestelar. Depois da invenção da luz elétrica, da penicilina, do transistor, da pólvora, da bomba atômica, dos supercomputadores pensantes, diante do aparato tecnológico que fez a Apollo 11 levar Neil Armstrong à lua. E hoje, diante da TV e do computador, usando celular e internet, não fala e não pensa em nada. Distante da infância de macaca chita, cadela Lassie, do medo do papa-figo, das surras com pé de urtiga e das calças de suspensórios. E na modernidade não sabe ser feliz. Não sabe se é capaz de amar. Há muito tempo que, para não morrer murado vivo, caminha como australopitecus, para desviar os entulhos de computadores ultrapassados, paquidermes enferrujados, esqueletos metálicos, espantalhos mumificados, na especulação dos ETs sem escrúpulos, dos repórteres anormais e dos inventores sem consciência. Perturbado nos engarrafamentos de naves voando pelo céu. Será que o homem construirá a máquina cerebral para fotografar o sonho? Ativará a luz das sombras para iluminar os olhos dos cegos? A ciência engatinha lentamente para chegar à arca-de-noé, sem explicação para definir os fins e os mecanismos do sono. Que adormece distante da verdade, com narrativa fantástica de contos, de mitos e lendas. E por isso, existe muita história de manifestações estranhas. Como ocorre com sonambulismo. Que só acontece com pessoa que, com fadiga, ansiedade e insônia, não consegue dormir. E nessa privação de sono, só dorme e sonha de olhos abertos. E durante o sono, como realidade, levanta-se da cama ou rede, com a expressão facial diferente para caminhar durante o sono, com passos lentos e braços estirados para frente. Como o Cosmildo da tia Júlia. Que para os ignorantes, leigos e incrédulos, era alma do outro mundo. Assombração ou coisa sobrenatural. E até os inventores de estranhas teorias, acreditavam que o sonâmbulo representava o retorno à vida das múmias. O poeta Goethe era sonâmbulo, e nunca foi múmia. E o Cosmildo, que para os russanos, era um mistério desconhecido ao caminhar em silêncio pelas margens do Araibu. Tornou-se espanto! Um assombro! Um alienígena! Para alguns charlatões o sonambulismo do Cosmildo, era a descoberta de uma criatura extraordinária. Um extraterrestre. Bicho galáctico. Uma aberração cientifica originada por impulsos eletrônicos de consciência artificial para assombrar os russanos. Cosmildo era um ser humano como qualquer outro. Só que ativado por problemas emocionais. Não era computador vagando pelas noites enluaradas. E jamais a consequência de um monstro mal-assombroso de fantasia e realismo-mágico. Porque nasceu distante de quando o gênio Leonardo da Vinci inventou o helicóptero. O dentista Horace Welles descobriu a anestesia. Galileu construiu a luneta para observar o céu e Einstein fez as primeiras equações usando lápis e papel. Das descobertas do arado ao relógio, do espelho ao projetor de cinema, do telescópio a música clássica, a nossa infância era de filme de Tarzan, de revista de Mandrake e de soltar pião. Já Cosmildo, muito além de qualquer narrativa de O Médico e o Monstro de Stevenson (1886), de A Metamorfose de Franz Kafka (1916) e de Frankenstein de Mary Shelley (1931), gostava de caçar calango, vaga-lume e besouro-cavalo-do-cão. Mas corria o boato de que o Cosmildo era um sonâmbulo, e que acordava a noite a caminhar durante o sono, com uma fala incompreensível. E como o monstro Frankenstein saía perambulando com os braços estirados para frente. Como o sonambulismo ocorre em estágios profundos do sono, as beatas rezavam para não acordar o sonâmbulo Cosmildo. Se acordasse, poderia morrer. Tudo invenção e crendice do povo. Tudo, mito popular. Não tem nenhum problema em acordar um sonâmbulo. Não é perigoso. Mas se tiver sonhando com coisa ruim, e for despertado, ficará desorientado, confuso e irreconhecível. Cosmildo cresceu e nunca mais virou sonâmbulo. Mas naquela época, à meia-noite, muitos russanos, como Cosmildo e o monstro Frankenstein, saíam de suas casas andando com os braços estirados para frente, como um sonâmbulo, para acordar somente na Coaça de Russas, na hora da gafieira do cabaré da Ceguinha.

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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