COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

MARIA LUIZA – UMA MULHER DE FIBRA

Airton Maranhão (in memorian)

02/06/2014

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Para que essa história seja narrada com a mais real e legítima verdade, não poderia deixar de lembrar a turbulência de um fato assustador, inexplicável, macabro e vergonhoso que ficou registrado na história do nosso município. Porque poderia ter impedido a mais importante conquista da condição jurídica da participação feminina, no mercado de trabalho, em Russas. Acontecimento funesto, que deve ser revivificado pelo ato arrebatado de afronta do sacerdote da época, que acendeu o pavio da dinamite e bombardeou a população russana, para não aceitar a evolução dos tempos. Que como louco disposto a evitar a inauguração do Banco do Brasil na cidade de Russas, ironizou a ciência, a tecnologia e o trabalho da mulher fora do lar. E tudo começou com os badalos do Apocalipse, quando assustadoramente os sinos da igreja matriz, repicaram o toque infernal da marcha fúnebre. Caso inédito em Russas. Isso ocorreu, ao iniciar a meia-noite da sexta-feira do dia 31 de outubro de 1952. Quando a população, na suprema humilhação de dúvida e medo, acordou sobressaltada e correu para as ruas. Era a contemplação do espanto e da sugestibilidade. Ninguém sabia o porquê de tantos badalos. E, defronte da igreja matriz, o prepotente padre Pedro de Alcântara, no arrebatamento da Igreja e incompreensão de suas atitudes Nazistas, com pornografias e diabruras, que não ocultava nem em latim, celebrizava as ofensas: “Vocês são a doença. Eu sou a cura”. E numa prova de completo desequilíbrio mental, desvalorizava a celebração às pessoas, à mulher no trabalho e a ciência. Quando amaldiçoou o dia 31 de outubro e jogou praga no ano de 1952. Porque não queria que a Agência do Banco do Brasil fosse inaugurada em Russas. E na superioridade de sua conduta retrógrada, ordenou que os sinos da igreja matriz, repicassem por toda noite. Repiques, que somente findaram depois que a Agência bancária foi inaugurada. Assim, “demonizado por muitos, divinizado por tantos”, padre Pedro de Alcântara, como o monge Rasputin, ficou lembrado. Numa época, que para se integrar ao crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, seria a mais marcante transformação que poderia ocorrer no país, nos anos setenta. E quem conseguiu essa façanha foi a jovem Maria Luiza Santiago da Silva, filha de Aristides Gonçalves da Silva e de Dina Santiago, com um sonho na mente, força de vontade no coração e muita inteligência, ao teimar para fazer o concurso do Banco do Brasil. No momento, quando a mulher como inativa era desvalorizada e desconsiderada para competir igualdade com os homens. O que dificultava encontrar trabalho, porque a mulher não podia se dedicar mais integralmente a outro ofício, porque vivia para cuidar do marido, dos filhos e dos afazeres domésticos. E solteira, não seria nada mais do que uma trabalhadora de segunda categoria. Isso dificultava o ingresso da mulher no mercado de trabalho. Principalmente em Russas, onde imperava a religiosidade e as jovens não tinham emprego. E uma mulher sozinha, trabalhar em meio a tantos homens, era um ato atentatório à moral e aos bons costumes. Porque viviam como donas-de-casa, no seu bem-estar e sobrevivência, para realizar as tarefas domésticas. E como uma heroína de fibra, rompeu essa barreira para melhorar a visibilidade do trabalho feminino. E no momento que teve a oportunidade, Maria Luiza, usando o coração e o cérebro, concorreu a um cargo no Banco do Brasil, ao realizar o primeiro concurso em Russas. A concorrência no vale Jaguaribano era enorme. Existiam somente duas agências: a de Russas e a de Aracati. Dos inscritos de Russas, cinco foram aprovados. O 2º lugar ficou para Maria Luiza, que conseguiu atingir o 362º lugar na classificação nacional. E sua irmã Iranisi Santiago, conseguiu tirar o 3º lugar. Maria Luiza foi chamada para assumir o cargo de bancária do Banco de Brasil, em 1971. Assumindo, assim, a primeira mulher na agência de Russas. De início, não foi fácil trabalhar num ambiente masculino, em meio a 50 homens, que podiam falar tudo e conversar tudo. Que, para não dificultar a convivência, teve que se acostumar à maneira deles. E com uma linguagem polida e respeitosa, fazia de conta que nada ouvia e nada entendia. Quando no exercício da profissão, em 1973, submeteu-se à Seleção Interna de Escriturário, na concorrência de funcionários de Russas e Aracati, num total de 20 candidatos. Embora sendo a única mulher no certame, somente ela foi aprovada para ser promovida ao cargo de Escriturário. E tudo foi muito difícil. A começar pela taxa da inscrição de Cr$ 50,00. Seu pai não dispunha de tal quantia. No último dia, poucas horas para encerrar a inscrição e o sonho de Maria Luiza, desesperada correu para frente da agência, e ao encontrar o genitor, implorou: “Pai, arranja o dinheiro para fazer a inscrição, que se eu passar nesse concurso, pago todas as suas dívidas.” Seu Aristides, com lágrimas nos olhos, correu para a mercearia do Chico do Hospital, e arranjou emprestada a quantia. No apagar das luzes, Maria Luiza entrou correndo na agência, e faz a inscrição. Aprovada, com muito trabalho, cumpriu a promessa e liquidou o débito do pai. Na Agência do Banco do Brasil de Russas, trabalhou 24 anos, exercendo vários cargos concessionários. E o de Caixa-executivo, era o que mais gostava. E ao limiar o teto máximo que um funcionário poderia alcançar, surgiu o (Plano de Demissão Voluntária). Que deveria ter sido (Plano de Atitude Autoritária Excessiva). Porque não era voluntário. Era a sentença obrigatória de um crime desumano de pressão psicológica. A descrição daquele crime, ainda impressiona, pela distorcida visão de sua realidade. E pelas consequências do subterfúgio que arquitetaram contra os funcionários do Banco do Brasil. Que foram obrigados, sem direito ao contraditório e a ampla defesa, optar por três opções: pedir transferência, (onde só existia vaga no sul, sudeste, e centro-oeste); pedir demissão e receber vantagens oferecidas para a sua adesão, ou ser demitido sem nenhuma vantagem. E Maria Luiza, para não deixar a família sozinha, abdicou por renunciar à profissão que tanto amava e que conseguiu com muita dificuldade. E essa mulher de fibra, ainda sonha executando as suas tarefas bancárias. 

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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