COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

O Bar das Almas do Valderir

Airton Maranhão (in memorian)

18/03/2014

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As casas mal-assombradas são sempre lugares sombrios e de cenários bizarros, que como lendas inimagináveis ou histórias misteriosas de fatos macabros e aberração estranha, contam descrições de fantasmas horripilantes, narradas por parvos, loucos, supersticiosos e crédulos. Histórias incríveis que não passam de invenções fantásticas, como alucinações visuais, que é ver coisas que não estão presentes, e como as miragens do deserto, que são um fenômeno óptico de quando chegamos perto, desaparece. Uma diferente da outra, porque alucinação visual tem-se como percepção que reconcilia com a realidade acessível, e as miragens não são alucinações, é um fenômeno óptico. Porque realmente existem e podem até ser fotografadas para comprovação da verdade. Mas quaisquer aparições de coisas e pessoas em meio à densa neblina, sombra nas veredas sinistras, redemoinhos entre catacumbas, relâmpagos em noite chuvosa, vulto esquisito debaixo de árvores frondosas, tudo é aparição. Tudo é fantasma. E logo o lugar, de forma fantasmagórica, torna-se considerado assustador, numa visão de terror e mistério. E narrando assim, um dia em Russas, recebi um telefonema do amigo Dagoberto, que dizia: “Maranhão estou sabendo que você está em Russas, venha para o bar do Valderir, aqui em frente o cemitério.” Pensei comigo, um bar defronte o cemitério! Ali naquela necrópole fantasmagórica? Chegando naquele estranho botequim, juntamente com o Vital, encontrei vários amigos bebendo, alegremente: Dagoberto, Cláudio, do Foto Fortaleza, Pikelvis, da Maria Padeiro, radialista Simões, Edilson Cruz, Vandin - o Delegado e outros. E ao adentrar no ambiente, minha surpresa foi maior. Deparei-me com Valderir, que satisfação! Valderir havia estudado comigo. E ao me receber com alegria, disse: “Dr. Maranhão, ganhei essa casa de herança e botei esse bar, aqui, olhando para o cemitério. Eu não tinha para onde ir.” Especulei o bar e observei o cemitério. O local era extremamente estranho para se botar um bar e arranjar freguesia. Foi quando o Dagoberto gritou: “Maranhão, você que é escritor, bote um nome no bar do Valderir.” Todos começaram a rir e a concordar com o pedido do Dagoberto. Quando logo o Valderir falou: “Doutor, meu bar não tem nome. Que nome devo botar num bar que fica de frente para o cemitério?” Olhei novamente para as tumbas, e lembrei que aquele lugar era o aposento do nosso sono eterno. Paraíso que nos espera para a tranquilidade, paz e meditação. Mesmo sendo um lugar considerado assustador, sempre julguei como o mais saudável, isolado, próspero, amigável, protegido, e o mais seguro do mundo, para se viver eternamente. Pode ser um local bonito para uns e extremamente exótico para outros. Mas nada convidativo para se morar, porque não tem escrivaninha, biblioteca e livraria. E não há nenhum hotel cinco estrelas por lá. Mas todos, sozinhos, ao mesmo tempo dos labirintos subterrâneos, a céu aberto, observam o sol, a lua, as estrelas e o crepúsculo. Com muito calor durante o dia e frio à noite. A única parte que os mortos não podem ver, é o horizonte. É um lugar incrível e espantoso para se visitar e ao mesmo tempo, é o mais inóspito da terra. Para chega nas suas velhas moradias, é preciso trilhar em caminhos sinuosos por entre os túmulos e observar as fotos dos finados, com os seus bustos encimados nos mausoléus de repouso, de autoria desconhecida. Pode até se dizer que é um recanto fenomenal, mas é assustador. Ali encontramos as pessoas mais felizes do mundo. E as mais estranhas de todos os tempos. Todas adormecidas. Mas sempre olhando para o céu, para o infinito e para a eternidade. Sem preocupação com preservação ambiental, saúde, dinheiro, guerra, inveja, conflito e criminalidade. Somente com o sossego eterno. E todos vivem felizes. Respeitam as leis e não correm o risco de serem assaltados, sequestrados ou mortos. Naquele recanto, não existe riqueza, pobreza, desemprego e desalojados. Todos têm moradia certa. Não são preguiçosos e trabalham em silêncio, com muita alegria, porque não há índice de criminalidade. O cemitério, apesar de ter a fama de ser o lugar mais mal-assombrado, mais triste e horripilante do mundo, muitas vezes, torna-se romântico, quando visitamos os amigos e parentes. “Acorda doutor!” Gritou o Dagoberto. E assim, falei para os presentes: O bar do Valderir, de hoje em diante vai ser chamado de Bar das Almas. Que ovação!  E assim, ficou conhecido. Não por ser um lugar assustador, nem devido à visão alucinatória do temor dos sepulcrários, como existe em lugar mal-assombrado, que os supersticiosos passam a fazer assombro pela redondeza. Como o Piano, filho do Parente, conhecido matador de gato, que toda tarde, senta-se num banco defronte ao cemitério. Ao me aproximar dele, notei os seus dentes produzindo sons como de um cachorro rosnando, para pegar um gato que passava por cima do muro do sepulcrário. E ao me contar a história que o fantasma do Augustinho Cabeludo, de instante em instante entrava e saía do cemitério, para tomar uma pinga, naquele momento, um enterro! E o caixão do morto ao ultrapassar o portão do cemitério, Piano Miau, levantou-se de súbito, fez o sinal da cruz, e gritou para o finado: “Vai-te diabo, ainda bem que não sou eu!” Quase morri de rir! E voltei para o Bar das Almas. O bar do Valderir não é lugar de fantasma, é um reduto de boêmios.

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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