COLUNISTAS / CARLOS EUGÊNIO

Os Melhores Contos de 2013

Carlos Eugênio

03/02/2014

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A seleção das obras ficou a cargo dos Acadêmicos do 1° Colegiado de Escritores Brasileiros, órgão executivo da Litteraturia Academiae Lima Barreto, no Rio de Janeiro. É com grata satisfação que devido à felicidade, com os leitores dessa coluna, o conto de minha autoria, selecionado por essa ilustre instituição literária e publicado no livro - Os Melhores Contos de 2013:

Alvorada de violino

   Os pássaros partem em revoada. Escuto, ao longe, o bater de suas asas cortando o vento e anunciando ao mundo, o raiar do dia. A mística luz, apontando o nascer do sol, transmuta a cortina da janela do apartamento. A melodia - que ressoa da praça - me traz recordações agradáveis e nesgas tétricas de saudades. Sinto-me tocado por aquela sinfonia. Vou até a janela, ainda sonolento, apreciar o alvorecer. O nascer do dia é como o brotar de uma nova vida, traz esperança aos corações ludibriados, luz onde habita as trevas e, alacridade, as almas que vagueiam esquecido na imensidade do tempo.

    As imagens ainda turvas, ofuscadas pela iluminação artificial, deixa-me um tanto confuso sobre o que possa está ocorrendo. O amarelado das folhas das árvores e o cair da temperatura, caracterizam a chegada do outono. A avenida principal encontra-se tomada por músicos, que ensaiam um evento qualquer. Talvez seja algum ato politico - imagino - apesar das vestimentas não demonstrarem um acontecimento popular, pela formalidade das pessoas. Ou possivelmente possa se tratar de uma festa cultural de grande destaque - a elegância dos convidados me leva a essa concepção. 

    Um casal senta no banco da praça, de mãos dadas. A orquestra de violinos inicia uma sonata que me traz recordações. Bons tempos! Amei aquela mulher como nunca havia amado outra. Entreguei-me de corpo e alma. Mas a vida tem seus desígnios que a razão não consegue explicar. O sofrimento traz aprendizado, que a felicidade não é capaz de trazer. A dor deixa o coração calejado e a alma sagaz. Nesse momento já não tenho mais a percepção do que ocorrera na rua. Estou totalmente voltado as minhas lembranças. Recordações que abrem feridas e fazem o peito arder de saudades.

    Abandono minha reminiscência, ao perceber que a praça está repleta de convidados. Os violinistas toam uma nota aguda, seguida de outra suave, e meu coração entra no ritmo da musicalidade. As lembranças de um grande amor emergem do âmago, apesar da minha tentativa de afogá-las no oceano das desilusões. A verdade é que esse amor ainda sobrevive dentro de mim - apesar da imensidão do tempo. Fala-se que as musicas e os perfumes resgatam momentos que estão adormecidos nas entranhas humana. Nesse instante tenho a certeza da veracidade desse dito popular.

    As pessoas se preparam para a concretização do evento. Até então, estou alheio sobre o que se realizará nos próximos minutos.

     Uma limusine estaciona no fundo da praça. Um rapaz, vestindo paletó marinho e gravata lilás listrada, espera ansioso, enquanto algumas crianças estendem um tapete vermelho em sua direção. Uma moça de vestido longo, com enorme calda, desce do carro. Os músicos tocam Juan Manen - autodidata violinista e compositor espanhol.

    Pétalas de rosas brancas e vermelhas são jogadas do alto de um edifício. O aroma das flores me faz lembrar nosso primeiro beijo: “era uma tarde de sol ameno. O campo estava florido e as rosas exalavam sua fragrância natural”. Quando os olhos se cruzam e a energia da paixão troca informações com o olhar, não há como resistir. O nosso amor nasceu para romper a finitude da existência humana e, perpetua-se no infinito. Depois daquele beijo, nossos pensamentos entraram em sintonia. O amor se fez presente. Não posso toca-la, mas sua presença está no ar que respiro e no vento que sopra meu rosto.

     O perfume das rosas e a sinfonia de violinos traz a sensação de tê-la junto de mim outra vez. Sinto seu corpo colado ao meu, suas mãos márcias acariciando minha pele. A tristeza não apaga as boas recordações. Um amor para recordar a vida inteira. Éramos como duas nuvens levadas pelo vento, que ao se encontrar, tornou-se única e, não se pode mais distinguir uma da outra. Nem mesmo a leucemia que a levou para outro plano, conseguiu romper as amarras desse amor. Não se separa uma obra de arte do seu autor, ela permanece viva na memoria do artista. Assim são duas pessoas que se amam por toda a existência, o amor permanece apesar de o corpo voltar a ser o pó que o concebeu. O nosso amor é como o vento, apesar de não vê-lo, posso sentir sua manifestação nas coisas mais simples da vida.

     A moça de vestido longo caminha em direção a um altar improvisado. O jovem de paletó, a espera com ansiedade. Só agora tenho a percepção de se tratar da realização de um casamento.

     O spalla - primeiro violinista da orquestra sentado na primeira fila - dar entoação ao gesto entusiasmado do maestro, com a tradicional macha nupcial.

     A noiva caminha compassadamente, sobre o longo tapete vermelho estendido pelas crianças. Enquanto o noivo, aparentemente nervoso, passa um lenço no rosto para enxugar o suor. O padre inicia a benção do amor do jovem casal. É econômico nas palavras, certamente está fadigado devido o forte sol que começa a incomodar, apesar de uma coberta improvisada. Os dois saem de braços dados, após a eventual frase: sejam felizes para sempre, até que a morte os separe. Sem esquecerem o clássico beijo apaixonado. 
    
Não sei os motivos que levara aquele casal a realizar um evento tão intimo, em praça pública. Por certo realizaram um sonho. E sonho não deve ser questionado, mas vivido com inteireza. Os recém-casados saem de cena para entrar na vida real. Provavelmente estão conscientes de que os desafios de uma vida a dois são árduos. Mas o amor quando é verdadeiro, supera os estigmas, rompe as barreiras, alcança a volúpia na entrega das almas e, após um longo beijo, anuncia ao mundo que vale a pena entregar-se a uma insigne paixão.  



Carlos Eugênio

Nasceu em Russas - CE. Graduado em Português Licenciatura Plena pela Universidade Vale do Acaraú; (UVA), Especialista em Ensino da Matemática e Física pela Faculdade Vale do Salgado (FVS). Professor, colunista do Jornal Correio de Russas e da TV Russas.

Carlos Eugênio

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