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É muito difícil compreender as complexas formas do ser esquisito, estranho e absurdo, pela infernal desonra do leito conjugal, quando melancólico e maquiavélico, carrega para sempre sobre os ombros, a maldição criminosa do instinto multisecular da traição. Para sobreviver diante do coração adulterino, a fervilhar tenebroso no abismo sideral, com os cornos quentes e perfurantes, que transformaram num bicho-homem dos mais imbecis e rancorosos, por não saber ovacionar a honra manchada de sangue, no presságio dos seus agouros dolorosos e funestos. Que nos faz lembrar os urros terríveis dos leões famintos do circo-máximo de Roma, com os brados do abominável, comovente e dramático Zé Vitório. Pelos feitiços sanguinolentos dos cornos nebulosos entre os cabelos em desalinho, que não pode ocultá-los e nem evitar que o sino a repique, e denunciasse na cidade, a cruel traição. Nem mesmo no envoltório de papel celofane, nem mesmo no silêncio das messalinas. Por conta dos cornos eriçados como brasas acesas, que enfeitavam a sua cabeça, que transformou num caga-raiva a versejar amargura, tristeza e impropérios ofensivos pela dor cruel e alucinante. Talvez Zé Vitório tenha esquecido as coisas mais atrativas que as mulheres adoram na vida conjugal: as surpresas amorosas, as viagens românticas, presentes inesquecíveis, jantares à luz de velas e as belíssimas flores? Ah! Sim, as flores! Conheço mulher que deixou o amado, porque nunca recebeu uma flor! Foi essa a causa do ódio geral, do trágico desamor do antológico russano, ao representar o Monumento Solarius, conhecido popularmente como a Estátua do Chifrudo. Zé Vitório, baixinho, moreno, magro, valente e escroto, era filho de Joaquim Vitório Flor, que trabalhava no corte de olho de carnaúba, para o finado João Cordeiro. Mas, Zé Vitório, não fazia nada. Ao contrário, só tomava cachaça, se embriagava, e esculhambava. E quem não pagasse, era chamado de corno. E apanhar por isso, mais do que o Zé Vitório, não existiu outro em Russas. Quando entrava num bar cheio de ricaços, indagava: “Só pobre é, que é corno, é?” A gritar: “Vocês pensam que sou cachaceiro? Que sou vagabundo? Que sou um pé-rapado? Pode pensar magote de corno! Eu sou é pedreiro!” Tomava uma cana e se deitava no meio da rua. E quem quisesse que se livrasse do corpo, para não matá-lo atropelado. Aceso na labareda da traição maldita, para não enterrar o coração na tristeza, perambulava pelas ruas e bares, com os chifres maculados. Impotência sexual, não foi. Porque gritava sempre: “Fui corno, mais sou macho”. E como fantoche e a alma em pranto, macambúzio, intratável e irreconhecível, embriagado aos tombos, escandalizava, provocava e insultava todo mundo de Russas. Zé Vitório, com o comportamento depravado no descalabro dos arrogantes e devassos, não respeitava coronel, delegado, padre, rico, pobre e ninguém. Um dia, Zé do Ouro ao passar perto do Zé Vitório, este gritou: “Côrno!” Zé do Ouro voltou, e perguntou: “O que disse?” Zé Vitório chegou perto do vendedor de miçanga e repetiu: “Côrno!”. Zé Vitório apanhou, levou chute, foi esmurrado e continuou. “Zé do Ouro, côrno, côrno, côrno, côrno, e pronto. Você é côrno, côrno, côrno.” Explodia como dinamite, pólvora e nitroglicerina, para fazer correr apavorado: menino, gato, cachorro, jumento beata e padre. E com aquela gritaria, fechava as portas do comércio, janelas das casas e das igrejas, por onde passava. O berro mal-afamado de “côrno” tanto perturbava, como estrondeava por toda cidade: “Magooooote de côôôôôôôôno!” O vozeirão era alto, como ator interpretando ópera. No exagero, lembrava o barítono Caruso, que quebrava vidraça com seu cântico. Assim gritava pelas ruas ao passar embriagado, com a velha carroça. A imitar a legendária figura do Tarzan Johnny Weissmuller: “Magooooote de côôôôôôôôno!” Um dia prenderam Zé Vitório, por conta dos ofensivos e humilhantes palavrórios. E quando o delegado Araújo passou perto da cela, Zé Vitório gritou: “Côrno!”. O delegado olhou para aquele sujeito medievalesco, aproximou-se e indagou: “Falou alguma coisa?” Zé Vitório com as mãos nas grades, gritou: “Côrno!” Dr. Araújo, grosseiro e destemido, abriu a cela e meteu a sola no pavoroso Zé Vitório. E ao sair da cela, aporrinhado com aquele maldito, Zé Vitório bradou no seu grito de Tarzan: “Deleeeeegaaado côôôôôôôôno!” Dr. Araújo, voltou, puxou o revólver e apontou para a cabeça do Zé Vitório. E este, olhou para o delegado, e gritou: “Atiiiiira seu côôôôôôôôno!” DR. Araújo era novato na cidade, não conhecia Zé Vitório. E ao saber da curiosa e terrível figura, popularizada como orador do insulto, da crítica e da manifestação irônica da sátira aberrante, disse: “O policial que prender Zé Vitório, vai ficar preso no lugar dele.” Dr. Araújo soltou Zé Vitório. E este, ao sair do quartel, gritou: “Deleeeegaaado côôôôôôôôno!” Sem se envergonhar dos chifres pontiagudos, com a voz estridente de grande talento dramático, odiado por céticos e aplaudido por cômicos, Zé Vitório morreu no atrevimento do grito: “Magooooote de côôôôôôôôno!”
.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de
Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e
romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo
das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem
Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura
e Arte.
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