COLUNISTAS / HIDER ALBUQUERQUE

O BUMBA-MEU-BOI EM RUSSAS

Hider Albuquerque

04/03/2013

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O Vale do Jaguaribe têm, em seu povo, costumes e tradições que estão simplesmente desaparecendo por vários motivos. As novas formas de diversão e lazer que temos hoje a disposição, quase ditatorial, de festas, televisão, internet etc. transformaram o gosto e os modos de diversão das novas gerações. Através dessas formas de entretenimento, a facilidade em se divertir, costumes da cultura popular foram desaparecendo a partir, mais fortemente, da segunda metade da década de 1970 e de 1980 em diante, exatamente no período em que a televisão ganha força no Brasil.

Podemos verificar no livro, “Russas: sua Origem, sua Gente, sua História”, do professor Limério Moreira da Rocha, que a origem do Bumba-meu-boi em Russas não tem uma definição temporal exata, apenas faz referências a grupos que se apresentavam em algumas comunidades. Informa que em finais do século XIX, começam as movimentações nas comunidades rurais. Chegando a sede do município com o nome de Pai do Campo no ano de 1919, o segundo Boi de competição mais antigo do Ceará. [1] A música de abertura mais conhecida do Boi Pai do Campo é:

 

Pai do Campo chegou

Vamos brincar

Só não quero que venha

Me incomodar.

 

Balanceia Pai do Campo

Balanceia para o povo apreciar

Só não quero que venha

Me incomodar.

 

Balanceia Pai das Ondas

Boi Torino Araçá

Brinca, brinca Pai do Campo

Para o povo apreciar.

 

Brinca, brinca Pai do Campo

Brinca, brinca eu quero olhar

Quero ver meu Pai do Campo

No salão balancear.

 

 

 

No entanto, podemos observar que os embriões desse folguedo remontam a datas e a outros folguedos mais antigos, como o Congo de Reis e o Reisado. No caso da Visita Pastoral de 1792 a Russas, onde o Revdo. João Jozé Saldanha Marinho, Visitador do Bispado de Olinda, deixa registrado no 1º Livro do Tombo da Freguesia de Russas, as impressões, advertências e penalidades que deveriam ser adotadas na dita Freguesia. É importante notar um trecho desse relatório, pois ele nos faz refletir sobre a dimensão do ambiente cultural do atual município e o quanto foi relevante para ser mencionado nos registros do Bispado em Pernambuco.

 

“... A experiencia tem mostrado, que Sendo os moradores destes Sertões promptos para Caminharem Legoas afim deverem Comedias, e outras representações theatraes; São Remissos emCaminharem para as Igrejas, para receberem o Sacramto. do Matrimônio, efazerem baptizar Seos filhos, eosfilhos de seos Escravos;...”[2]

 

Segundo o historiador Frank Lourenço, a movimentação das brincadeiras de Bumba-meu-boi em Russas, estão registradas em arquivo público, e referências a este folguedo popular aparecem desde o princípio do século XIX. Nesse período a brincadeira tinha a denominação de “Boi de Tisna” e tinha características bem limitadas quanto ao uso de outros personagens e na inovação de outras ações da realidade do município. Este é um dos motivos do enrijecimento e extinção do folguedo. Pois o Bumba-meu-boi, assim como outras festas populares, é na sua essência uma brincadeira permanentemente inovadora, interagindo diretamente com o cotidiano e a realidade das pessoas de cada região. Essa mobilidade o torna vivo.

 

“... As pessoas iam, mas não gostavam tanto. E as pessoas começaram a ter um outro olhar, e começaram a ver a brincadeira a partir do momento que foi introduzido esses elementos novos... Aí eles começaram a ver que as pessoas passaram a ter uma aceitação maior pela brincadeira, aí eles já: “É preciso inovar”! [3]

 

 

Provavelmente foi essa rigidez na conduta não inovadora no sentido de traduzir mais os sentimentos do público e expressar as novas idéias da comunidade, que falta de investimento do poder público, a brincadeira perdeu seu significado de expressão para os brincantes, diante das novas formas de divertimento que se apresentam nos nossos dias como já foi dito anteriormente. Mesmo assim, há alguns anos, um grupo de crianças e adolescentes do bairro do Mutirão Velho, vêm resgatando as antigas canções e os ritmos do Boi Pai do Campo. Com a ajuda de seus avós e de um grupo de arte-educadores, eles se apresentaram novamente na Semana do Município de Russas/2006. A comunidade estava disposta e ainda realizou algumas apresentações por conta própria, até pararem também. Hoje esse boi está em exposição no Centro Cultural de Russas.

Esses jovens tiveram essa iniciativa, porque todos os anos iam ao Festival de Cultura do Beija-Flor (São João de Deus), e lá, viam diversas manifestações artísticas, entre elas o Boi Russano. Esse contato solidifica a vontade, os parâmetros, uma fórmula de se comunicar com o mundo. No caso do Boi Russano apresentam-se novas características. Além da criação de novas músicas que abordam temas atuais, houve a inserção de novos personagens, como é o caso da “Jaguarina” (Personagem criado pelo Mestre Bubu – pai do poeta Beija-Flor em 1972), que seria a fêmea do Jaraguá. A introdução desses elementos satíricos criam uma expectativa do inesperado, dando a brincadeira, um posicionamento de representação de valores atuais de gênero, que é, a introdução da mulher no cenário dos acontecimentos sócio-culturais.

Essa inovação necessária pode ser vista em maior proporção nas festas de Bumba-meu-boi do Maranhão. Sem perder a essência da brincadeira, as constantes inovações levaram a uma participação maior da população e hoje, é uma das maiores festas da tradição popular no Brasil. Levando para as ruas de Alcântara milhares de brincantes, vindos de todas as partes do Brasil e do mundo. Vale ressaltar, que, tanto o Boi do Maranhão, quanto o do Amazonas, foram introduzidos nessas regiões por migrantes cearenses.

Essa condição do “atual” começou a ser aplicada pelos dirigentes do Boi Russano. O aumento paulatino de apresentações e de público revela que o investimento nesse folguedo histórico do município de Russas, tem um enorme potencial de desenvolvimento sócio-econômico. Além de poder significar, novamente, a expressão local e a unidade comunitária de divertimento e manifestação da realidade da cidade.

Infelizmente, o Boi Russano parou suas atividades em 2008 diante da falta de um líder como o poeta Beija-flor e por falta de incentivos e de políticas públicas para preservar e promover a nossa cultura.

 

“... Ah! A festa de Natal era muito boa... Aí, de noite, a gente se animava logo cedo pra ir passear no mercado... Ali era um espaço bem grande... Era o Bumba-meu-Boi... Aí vendia tapioca, bolo, pé-de-moleque, aluá, num sabe?... Aí tinha essas coisa tudinho, era pra gente... a gente ia pra comer bolo, pra ver Bumba-meu-Boi, pra andar no Carrossel (Carrossel do Antônio da Marta)...”[4]



[1] Rocha, Limério Moreira da; Russas: Sua Origem, Sua Gente, Sua História; Ed. Graf Recife, 1976; págs. 141, 142.

[2] Alcântara, Pe. Pedro de; Russas: Capital e Santuário; Editora IOCE, 1986; Pág. 159; Transcrição da Visitação Pastoral de 1792.

[3] Frank Lourenço; Pós-Graduado em História pela UECE. Pesquisador da Cultura Popular; Entrevista gravada em 09/03/2006.

[4] Maria Ogarita de Sousa, 86; Professora, Russas; Entrevista gravada em 15/03/2006.

Hider Albuquerque

Professor especialista em ensino de História; Historiador Pesquisador; Escritor; membro da diretoria da Academia Russana de Cultura e Arte (ARCA); Compositor e ligado ao movimento Cultural de Russas Fez parte do Grupo Teatral Arco-Iris; membro fundador da OFICARTE Teatro e Cia; Professor na EEM - Escola Manuel Matoso Filho; Blogueiro.

Hider Albuquerque

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