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Considerado como um dos maiores poetas do mundo e um dos mais importantes da literatura cearense, com uma coletânea de obras gigantesca e várias premiações no seu costado, por não existir no universo outro igual para equipará-lo na galeria dos poetas mais célebres, mais primorosos e mais festejados, não poderia deixar de parabenizar esse meu nobre amigo e poeta Francisco Carvalho, que completa 85 anos de idade, com a homenagem de uma banda de música, tocando os dobrados dos seus versos, com todos os poetas do mundo aplaudindo e festejando a data de sua imortalidade perpétua, pela glória e pela gratidão de tão admirável poeta russano. E como Russas também é a terra dos poetas, além dessa merecida homenagem, também não poderia deixar esquecida nessa vida, a incrível história do poeta Batente, baixinho, invocado, entroncado, que quando cheio de pinga ficava teso observando as pessoas pansando, num cismar incrível. Era o mais estranho poeta russano, que não passava de um ébrio, de uma alcoólatra, e de um bêbado, porque todo o dia se embriagava. Ainda lembro do seu sorriso franco, do seu jeito generoso, do seu lado bom de ser humano, de sua qualidade de ser sincero, de seu modo inigualável e ser honesto, de seu comportamento de senhor pacato. Porque ninguém nunca vi o batente triste, zangado, infeliz, discutindo, brigando ou desfazendo dos seres humanos, da vida e da pobreza. Batente morava perto da casa do monstro Zebio e de sua mulher Lalá, bem ali por perto da casa do senhor Zé Bem-Bem. Ninguém sabia do seu nome completo e nem de quem era filho. Um dia chegou à casa de minha mãe Osmira, pediu uma comida, minha mãe botou almoço para ele, e logo de repente, depois da refeição, passou a limpar o sítio e foi ficando, foi ficando, foi ficando e finalmente, não mais saiu da casa dos meus pais. Batente passou a ser como uma pessoa da nossa família. Fazia de tudo, mandado, dava recado, fazia as compras. Sempre muito educado, embriagado e sorridente. Batente era muito forte com cara achatada e pinguço. Era um papudim com a barba sempre por fazer. Tinha os braços possantes, mãos grandes e os pés pequenos. O seu apelido de “Batente” era porque só gostava de dormir nos batentes das portas. E por isso, talvez que tenha surgido à inspiração para a sua poesia “A Porta”. Batente se considerava um grande poeta. Muitos dos que lhe conheceram, consideravamm como um poeta estranho e aplaudiam a pedir para declamar suas poesias. Se alguém pedia para ele fazer uma poesia, fazia na hora. Não pensava. Era como uma máquina triturando poesia, acendendo o sol, em poesia. Podia desafiá-lo para fazer qualquer poema, só bastava dar o mote. Por exemplo, sobre “Cachaça”, respondia: “A cachaça/é uma cachaça/se a cachaça/não fosse cachaça/a cachaça/não era cachaça/não tome cachaça/cachaça.” – “Batente, faça uma poesia sobre “Cigarro”, rogava Papa-Sebo. E ele respondia: “O cigarro/é um cigarro/se o cigarro/não fosse cigarro/o cigarro/não era cigarro/não acenda cigarro/cigarro.” Era sempre assim. Eu ainda me lembro muito bem de suas declamações poéticas, e muitas delas das mais incríveis, pois quando estava embriagado como sempre, mais que dos outros dias, declamava essas estranhas poesias, todas no mesmo ritmo e no mesmo tom. Como se fosse uma cópia de uma cópia da mesma poesia, mudando apenas as palavra, como a que ele mais gostava, intitulada, “A Porta”, que ao declamá-la, sentia um prazer profundo a se vangloriar que era de sua autoria: “A porta/é uma porta/se a porta/não fosse a porta/a porta/não era porta/abra a porta/porta”. E como essa outra: sobre a “Telha”. Pedia o Jesus Sapateiro, e Batente respondia: “A telha/é uma telha/se a telha/não fosse telha/a telha/não era telha/não quebre a telha/telha”. – “Batente, faça uma poesia sobre o “Corno”, ele declamava apontando para os bêbados. “O côrno/é um côrno/se o côrno/não fosse côrno/o côrno/não era côrno/não chifre côrno/côrno”. Batente, faça uma poesia sobre a “Morte”, pedia Dr. Estácio. E ele respondia: “A morte/é uma morte/se a morte/não fosse morte/a morte/não era morte/não mate a morte/morte”. - “Batente, faça sobre a “Flor”, pedia o mão-leve Zé do Canário. Ele respondia: “A flor/é uma flor/se a flor/não fosse flor/a flor/não era flor/não perfume a flor/flor”. E como essa do “Ébrio” que declamava imitando a voz do cantor Vicente Celestino: “O ébrio/é um ébrio/se o ébrio/não fosse ébrio/o ébrio/não era ébrio/não embriague o ébrio/ébrio”. E como essa do “Sol” como se ele próprio tivesse a prever o fim de sua vida, para morrer embriagado sem o sol se apagar: “O sol/é um sol /se o sol/ não fosse sol/o sol/não era sol/ não apague o sol/sol”. Batente, numa festa natalina, bebendo cachaça com Agostinho Cabeludo e o coveiro Jabatão, passaram a noite rodando o Carrossel do velho Antônio da Marta. Eles rodavam o carrossel no braço, à noite inteira, somente pelo prazer de tomar cachaça e se embriagar. E naquela noite de festa, quando o dia estava para amanhecer, Batente abandonou o Carrossel e saiu embriagado girando, girando, girando, tropeçando aqui e acolá, e caiu na calçada da Ricasa, do Raimundo Maia, e passou o dia com o rosto exposto ao sol. E não apareceu ninguém para tirá-lo daquele caldeirão do inferno. Quando a minha mãe veio saber, ele já havia morrido, estirado na calçada. Senti muita pena do pobre batente. Ou melhor, dizendo, do Batente, o mais estranho poeta russano.
Airton Maranhão
Advogado Escritor
Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA
.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de
Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e
romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo
das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem
Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura
e Arte.
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