COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

Welignton Carão, O Respeita-as-Caras

Airton Maranhão (in memorian)

12//2/30/1

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A presença de personagens de todos os tipos bizarros e irrisórios, emblemáticas, exóticas, desembaraçadas e estranhas, classificáveis como figuras fantásticas de formas mirabolantes, sempre apareceram encantatórias, debulhando vantagem, galhofaria e molecada pelas ruas de Russas, a se exibirem em público para aparecerem nas mais impossíveis manifestações de psicose degenerativa, no seu mundo de milagres seráficos, de varinha mágica, para demonstrar que eram inteligentes e sábios como Welington Carão, o Respeita-as-Caras, que adquiriu para si esse consagrado epíteto de Respeita-as-Caras, por assim, gabar-se, como forma de respeito. E essa estrambótica figura morava perto do bar da Zuíla, na Rua Guanabara, a caminho do Cabaré. Respeita-as-Caras era um sujeito bem magrinho, chato, nojento, pabuloso, amostrado, birrento, emboanceiro e provocador de briga, porque gostava de confusão, de fuzarca e de arenga. Vestido numa calça branca, devidamente engomada com grude, com uma jaqueta que parecia mais um papangu de paletó a se exibir com uma enorme cabeleira esvoaçante, assim como a cabeleira do jogador Valderrama, que jogou no time da Colômbia, e como a do Biro-Biro, que jogou no Bragantino. Não era nenhum Zeca Tatu, mas se achava bonito, forte e gostoso. De manhã bem cedo, abria a porta da casa a mostrar a robustez do fantasmagórico físico esquelético, e por ser bem magrinho inchava os pulmões a exibir os peitos murchos e cheios de pano branco, fazendo pose para aparentar ser forte como Tarzan, a importunar: “sou Johnny Weissuller, o Tarzan”, e dava gritos enlouquecidos a imitar o mais extraordinário Tarzan de todos os tempos. Mas o que se ouvia era horripilantes grunhidos de vira-lata doido, para se pabular: “Sou magrim, mas agüento porrada.” E puxava briga inchando os peitos: – “Vem, pode bater! pode bater! eu faço maromba! Levanto dois sacos de cimento todo dia! Vem, pode bater! Respeita-as-Caras!” E só andava todo inchado, procurando confusão: “Toda manhã o meu filho dá 80 murros nos meus peitos, quarenta em cada lado.” Respeita-as-Caras! Pôôôrra!”Foi ateu, crente, católico, testemunha de Jeová, espírita, macumbeiro, viciado na roleta e gastava tudo com rapariga, pif-paf e jogo do bicho. Sempre se sentia coroado de louros. – “Pintei cruz na beira da estrada, emprestei dinheiro a agiota, vendi goma-arábica na capital, toquei fogo nas putas do cabaré e sustentei cafetina.” Respeita-as-Caras, era deslumbrante, fanfarrão e cruel. – “Rapariga comigo é na chibata! Samango comigo é na bala! Vagabundo comigo boto é prá correr!”E continuava a falar com toda honra. – “Os canas quebraram os meus dois dedos grandes da mão direita, esses dois do meio.” e mostrava a mão aleijada. “Só porque não queria soltar a mão da grade da sela, eles me mandavam soltar a barra de ferro da grade e eu não soltava. Sou ruim! Sou escroto! Eles batiam de cacete e de murro e eu não soltava. Sou ruim! Eu fazia era gritar: Respeita-as-Caras! Mas com o dedo mindinho e com o indicador, aponto um côrno e faço aquele sinal de côrno, até para anão que é meio-côrno, faço o sinal de meio-côrno.” Depois num ar de melancolia, mudava de assunto. – “Tenho raiva de gente besta. Tem gente que só quer ser as pregas! Num tô dizendo mesmo? Para que tanta banca! Cleópatra, a terra comeu. Hitler suicidou. Nero mandou matar a sua mãe e suas duas esposas. Eu tenho a maior raiva de ladrão. Eu só como galo pé-duro. Só não tenho raiva é de baitola, por causa do viado do meu amigo Chico-Boi! Sou, é macho! O meu despertador é o canto do galo quando bate as asas no poleiro.” Dentre os mais diversos tipos de figuras estranhas de Russas, o mais difícil de entendimento foi esse tal de Welington Carão. Muitas vezes tinha cara de valentia, de sujeito metido à besta, e de imbecil transformava-se na inspiração de poeta e de louco: – “Fiz serenata para rapariga, caí de joelhos diante do padre, roubei velhinha na igreja e mijei na cara de defunto da borda da sepultura.” Chico-Boi, quando soube da morte da Fátima, irmão de Welington Carão, foi para o velório embalado numa bicicleta sem freio, pedalando adoidado e com dificuldade por causa da saia que atrapalhava. Vendo que não conseguia controlar a bicicleta em alta velocidade e nem parar por falta de freio, gritou em pânico: - “Saaaaiii-do-meeeiiii-Zuííííííla!!!” e bateu na carnaubeira estendida perto da calçada, despedaçando a bicha na parede, com bicicleta e tudo. E só não caiu dentro do caixão da defunta porque ao bater na carnaubeira, o corpo desviou-se e não passou pela janela. – “Tu tá ficando doido seu viado-baitola?” Gritou Welington. - “Olha aqui, seu Respeita-as-Caras, tu só tem é pabulagem de otário analfabeto, seu bunda-seca!” Welington inchou os peitos, imitando o Tarzan, Johnny Weissuller, e ameaçou: – “Olha aqui o que, Chico-Boi! seu viado-baitola de saia curta, tu Respeita-as-Caras! Eu tenho é três formaturas.” E Chico–Boi, que choramingava, passou a gargalhar e rodar a saia segurando com as pontas dos dedos. – “Três formaturas de quêêêêê! bofe de fuaaampa!” Bufando de raiva com olhar de Rasputin, respondeu: – “Três formaturas, de bombeiro, eletricista e cambista. Respeita-as-Caras! Pôôôrra!” A vaia da canalhada explodiu. – “Iêêêrôôô!” A se vangloriar de peito estufado, resmungou. – “Olha, Chico-Boi, para não cegar de tanto chorar, carreguei muita cruz dos outros, namorei sirigaita e donzela filha de coronel. Eu sou escroto!” E filosofava de fio a pavio. - “Dormi em cama de doido, morei em casa de enforcado, fiz caixão de defunto, vendi corpete, abufelei delegado pela gola, emprestei dinheiro a agiota, dei carreira em general. Escrevi meu nome no livro dos cabras-machos, e vi alma com medo de mim se escondendo no cemitério, detrás das catacumbas!” Tinha feições de má aparência com cara deslambida, no gracejo de gozador: - “Quando Armstrong pisou na lua a primeira palavra que falou foi: Respeita-as-Caras!” - “Iêêêrôôô!”– “tenho inveja do Alfredo Nobel, eu devia ter inventado a dinamite para explodia político ladrão e safado. Com fama de galanteador e metido a cantor, quando começava a cantar e não sabia mais a letra, gritava para a platéia: - “Agora, só vocês... Agora, só vosmincês...” Quando morreu a Fátima, vindo ele do velório, e ao passar em frente à casa do Semana, na euforia de vangloriar vantagem, desabafou: - “Pretim, passei a noite no velório, foi quatro carteira de cigarros e uma garrafa e meia de café.” Por todo o canto, Welington Carão, criava o gênio de sua personalidade. - “Já benzi mãe de santo, ajudei parteira e padre já me pediu a bença. Cavei botija de patacões de ouro e de prata e o Papa me abençoou. Eu sou, o Respeita-as-Caras!”                                                        

 

 

Airton Maranhão                                                               

Advogado Escritor

Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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