COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

Não existe mais Lobisomem em Russas

Airton Maranhão (in memorian)

12//2/20/0

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Russas dos tempos da ladainha, de puxar o terço na voz das beatas Maria Bibia, Adália e Anália. Do alfaiate Chico Cancão e seu auxiliar Chaguinha, que foi enterrado com um terno confeccionado pelo próprio Chico Cancão. Do Orlando Doido, que saltou de cima do cata-vento do Plácido Reinaldo, pai do Zé da Banca, com dois guarda-chuvas, um do Lauro Barbeiro e o outro do Ribamar Soldado. Do caixão de defunto da igreja Matriz que o Tonico Sacristão emprestava para levar o cadáver dos pobres, até a beira da cova. Do Miguel Toiota, que pegava parelha com a bicicleta Goerick Alemã, do padre Valério. Do Tarzan de Russas, José Carvalho Muniz, jogador de futebol, baterista e pandeirista. Das rifas que fazia o Malavéia, com as roupas doadas aos flagelados da enchente do Orós. Da botija do Zebio, que Lalá enterrou no Cruzeiro da Maria das Quengas. Da coleção de moedas de ouro que o Dr. Estácio, morreu sem exibir para o mundo. Das calças boca de sino do Tremendão. Da camisa volta-ao-mundo do Birita. Da matraca que o Tonico Sacristão retinia ao redor da igreja Matriz, na Semana Santa. Do vira-lata que o engraxate Cacete atiçava para o Cabo Guedes. Da bodega do velho Luiz do Couto, que ficava no beco da igreja matriz, que o Bigolô trocava cédulas de duas cabeças. Das pragas que a Chica doida jogava no Comunista. Do lambe-lambe do fotografo Nêgo Leudo, que batia foto dos matutos. Do bruto time dos Procópios, que só jogava de pés descalços. Do viado João Guilherme, recuperador de avental, gaiola e garajau. Do caixão de defunto da funerária do Raimundo Maia. Do tapeador Vinte-e-um, com falsos palpites no jogo do bicho. Do gato Charuto, do mentiroso velho Moacy, torcedor fanático do Ceará Sporting Club. Dos recadinhos que o mariquinha Edilson do Esdras, mandava pela Dudu para o galã Chico Lira. Do Picirica, com óculos espelhos, nos botequins, fisgando cigarro, tira-gosto e birinaites do boêmio Vileimar. Do antológico Juju, que consertava o relógio da Coluna da Hora da praça Monsenhor João Luiz. Do tira-gosto de churrasquinho-de-carne-de-gato do marreteiro Manoel Curioso. Da Carne-Assada do Bigodão e do Augustinho no Posto do Elder Moreira. Da ferocidade do galo do Vicente Leite. Do fincapé do Assis doido, atrás das baratas-de-igreja. Das cafuringas feitas de madeira, movidas a manivela, da Mundinha Maciel; do João Faria; do Luizinho do Bruno e do Luiz Nogueira da fábrica de Picolé, que desfilavam em Russas.

 

Das lacerdinhas dos ficus-benjamim, que faziam lacrimar o General Cordeiro Neto. Do fumaceiro do cigarro BB do velho Telha, que enfurecia o coronel Kerginaldo. Da Turma da Monsenhor João Luiz, que apenas de calção, corria no pé-dois, para pescar piranha e tomar banho no camgapé das bundacanascas, no rio Jaguaribe. Do músico Leônidas, que ficava de madrugada contando os velhos funemês que passavam na rua da frente, carregados de cebola-branca. Das garrafas de Pitu que o coveiro Jabatão tomava para enterrar os defuntos. Das caretas que o Chico Rés fazia para assombrar o João da Duca. Do caipira viciado do Chico da Teté, que dava mais o ás. Do Misto do Joaquim Barbosa que fazia linha Jaguaruana-Russas. Do Misto do Osvaldo Gomes que fazia linha Russas, Borges e Jaguaruana. Do Misto do Tio Joel que fazia linha do Araújo, de Russas, para a cidade de Fortaleza. Do velho Leonel, pai do Môco, da casa de Jogo. Do Varinha, filho do Fulô. Do Fafá que desdobrava cachaça. Da canção Besame Mucho, de Ray Conniff, que o Marcondes Costa botava para tocar  ao iniciar as sessões do Cine 5 de Junho. Do bar da dona Rita, que o nego Zeca tentava se suicidar abrindo as pernas da mesa. Dos óculos Ray-Ban que o baterista Assis Curema usava no sábado da Aleluia. Da força descomunal de Antônio Cabeludo, que levantava saca de açúcar com os dentes. Das presepadas do Piru imitando a voz do padre Valério nas quermesses. Do Mizael e do Pisca, que brigaram com o cão na lagoa Caiçara. Do anão do circo El Kongo que usava pernas de pau para desfilar na Dom Lino. Da bicicleta Philips, em que se exibia o Meio-Quilo, para paquerar a Tânia do Raí. Do Timá da Gibiril, que a prostituta Eufrozina perguntava: “com peito-ou–sem-peito.” Do gato-de-telha, que a velha Rosa, do secular tamarindeiro, criava dentro do oratório. Das três Duô, que não saíam da frente da penteadeira se enfeitando de penduricalho.

 

Do valentão Bombom que depois de algumas meiotas de cachaça na cabeça, desafiava o Francélio (Segundo), para amarrar as camisas, para uma luta de peixeira. Da mania infernal do Piano-Miau, filho do Parente, que matava os gatos no cemitério. Da grã-fina prostituta Caçota da coaça, que transava com o irmão Caçote para diminuir o preço. E do preto dezessete que sempre dava a roleta do Zeca Porto, que só andava num cabriolé de um cavalo branco. Dos milagres do macumbeiro Rozeno, que tirava o cão do couro dos loucos varridos. Dos pileques do Zé da Onça, que andava de calçada para calçada, conversando com o amigo e biriteiro farrista. Da radiola-de-braço do Gessy torcedor do Ferroviário Atlético Clube, que só tocava Nelson Gonçalves. Do pobre Zé-do-Ouro, metido a rico, que vendia alho e zombava dos bestas. Do diabólico Caçote, queimado dentro do Quartel de Russas, pelo policial Zilcar. Do estranho bar do Joaquim dos Potes. Das arruaças estrambóticas do cachaceiro Papa-Sebo. Do velho Barata, que só tangia gado para as cidades vizinhas, para se alimentar do leite das bichinhas. Da gruta no Serrote da Tapera, que desce ET e esconde personagens obscuras de extraterrestres. Da mal-assombrada sepultura do bandido Fernando da Gata. E do doido Zé do Dão, que teve uma luta com um lobisomem na Ilhota, e matou o monstro. Por isso não existe mais lobisomem em Russas.                                                                                                                     

 

 

 

Airton Maranhão 

Advogado Escritor

Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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