COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

Crime e milagres de Maria das Quengas

Airton Maranhão (in memorian)

12//2/24/0

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Há personagem em Russas de costume sobrenatural, ritos mágicos, forças ocultas, heranças divinas e magnetismo estranho que sem consultar o oráculo, goza de respeito, veneração e aplausos. Mas, outras que causam clamor, repugnância e arrepio, como a algoz criatura de Antônio Meireles, que se destacou como a mais maquiavélica de todos os tempos, por abismar a moral russana em cometer o mais terrível homicídio de necrofila perpetrado em nosso município. Macabro crime, que ocorreu na pequena casa de taipa que existia entre as comunidades de Timbaúba de Nossa Senhora das Dores e São João de Deus, em Russas, no dia 27 de julho de 1893, contra Maria Augostinho dos Santos, mais conhecida por Maria das Quengas, mendiga, de alma pura, santa, fascinadora e tímida, religiosa e virgem como as santas das igrejas. Assassinada numa tragédia horripilante que por muito tempo ficou no despertar do mistério, superstição e crendice, vislumbrando-se interligada na teia invisível de extrema periculosidade, que impressiona sem dispensar maiores descrições. Maria das Quengas, além de rezar e apanhar lenha para vender na feira, mendigava com um enorme rosário no pescoço, numa demonstração de devoção, fé e religiosidade. E ficou conhecida pelo apelido de Maria das Quengas por esmolar com várias quengas de coco amarradas na cintura. Morava sozinha naquele casebre remoto, iluminado por uma lamparina de pavio curto, faiscando orações nas contas do seu rosário, no contraste indescritível, entre as penumbras do gigantesco candelabro do céu, esfarelando a imensidão. Por muitos anos de solidão, naquela moradia humilde, rasga-mortalhas emendavam a noite com o dia. Urubus pousavam no teto a turvar o céu macambúzio com as rezas e penitência da beata. Ao seu redor, no fim da tarde, o tempo parava num silêncio de calmaria. Não se ouvia pássaros nem sussurro do vento nas folhas das árvores. Apenas a ladainha das rezas da velha mendiga, ajoelhada ao pé do santuário, orando para fugir das trevas, a preservar a virgindade com os únicos bens que possuía: o terço que pendurava em volta do pescoço e as quengas de coco que serviam de amuleto para afugentar presságios e augúrios, na estranheza de coisas místicas e bizarras. Com a ilustração perplexa daquele crime, sinto-me enregelado de um frio horripilante e intransponível, que não impede badalar o sino de abominação com a tragédia de grotesca tentação animalesca, que abateu Maria das Quengas. Quando ouvi a perniciosa história, fiquei estarrecido como brotado do horror dos tempos a imaginar seus olhos vítreos, agitados de prodígios, a boca trêmula a rogar o poder da Virgem Maria para obrar milagres para os fiéis alcançarem as graças. Conto essa história religiosa, diabólica e inacreditável, com detalhes precisos da época às treliças do confessionário sem nenhuma devoção fantástica. Mas fidedigno com indignação moral pelo disforme, humilhante e traiçoeiro torpor de criminalidade, senti sobressalto do monstro de Russas, famigerado Antônio Meireles, assassino de Maria das Quengas, por grandiosa mistura de homem animal com um espectro tomado de furor demoníaco, que perseguia a mendiga, por amor ou desilusão amorosa. Que, para rejeitar o galanteio, a supercelebridade virgem milagrosa, vivia no sofrimento e privações de reza, penitência e visão como os santos, para purificar a alma com voto de castidade. Foi crime de tão cruel notoriedade, que nem mesmo Jeck, o Estripador, que aterrorizou Londres no século 19, ao matar sete prostitutas, equiparou-se ao patético monstro de Russas! Não encontro uma palavra para suavizar a selvageria perpetrada, nem mesmo para historiar o acontecimento horripilante de anormalidades que induziu à tentação do diabólico assassino, para seduzir a pobre infeliz. Maria das Quengas jamais cometeria um ato pecaminoso. Casta, virgem e santa, preferiu morrer a temer os sinais terríveis do acaso. Essa história verídica da mendiga Maria das Quengas, que existiu em Russas, na segunda metade do século XIX, vem sendo contada de geração a geração, de utensílio bento a segredo dos sacrários e hóstia sagrada, de como a mendiga subiu ao céu para obrar milagres como as santas. E ao cometer o fatídico crime, Antônio Meireles, que se achava acompanhado de seu sobrinho, ameaçou-o de morte se revelasse o assassino de Maria das Quengas. Ao ser preso, negou perante o pai e ao chefe de polícia, ser ele o assassino. Seu genitor, acreditando na inocência do filho, jurou perante a autoridade policial: “Se tiver sido o meu filho Antônio Meireles que cometeu esse terrível crime, quero que meu cavalo me mate de um coice.” O pai de Antônio Meireles possuía uma criação de eqüinos, margeando o riacho Araibu, e um cavalo treinado que obedecia suas ordens, e por obra do divino, inesperadamente, ao retorna para cuidar dos animais, seu obediente cavalo, ergueu as patas traseiras e acertou os peitos do velho, que o deixou estirado às margens do riacho. Depois o cavalo ficou a correr espavorido para o rancho e a voltar para perto do seu dono. Com a correria estranha, a repetir-se por várias vezes, os moradores perceberam que o animal tentava avisar alguma coisa e, ao segui-lo, encontraram o cadáver do pai de Antônio Meireles. Assim, iniciou a se enumerar os milagres de Maria das Quengas, com a delação do seu assassino. Muito antes, para visitar o túmulo da virgem milagrosa, os moradores da localidade encontraram um saco de estopa coberto de sangue, debaixo de uma árvore. Ali, Antônio Meireles havia depositado os restos mortais da mendiga, já apodrecidos. Por relatos, numa luta corporal, Antônio Meireles golpeou Maria das Quengas com um machado. Ao relutar para não perder a virgindade, ele a mutilava viva, arrancando-lhe os olhos, a língua e o nariz com as mãos. E, sem conseguir cópula nem estrangulação, decapitou-a com uma machadada. Depois, estuprou-a, cometendo o crime de necrofilia.  Maria das Quengas preferiu morrer virgem a satisfazer as fantasias do monstro russano. Cumpriu sua missão divina de não manchar a honra de santa, pura e virgem. Ali, onde os moradores encontraram seu corpo mutilado, no dia 27 de julho de 1893, há 119 anos, fizeram o sepultamento, e em sua homenagem, ergueram um cruzeiro, existente até hoje. Local onde os fiéis e devotos oram, põem flores, acendem velas, realizam desejos com agradecimentos, transformando o seu túmulo num local de visitação sagrada de devoção e de romaria, com pagamento de promessas, milagres e graças alcançadas da santa Maria das Quengas.  

 

 

Airton Maranhão

Advogado e Escritor 

Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA 

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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