COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

O CAVALO MIMOSO DO MONSENHOR

Airton Maranhão (in memorian)

12//2/12/0

Enviar por e-mail
Imprimir notícia

Por alguma bênção graciosa dos fascinantes seres excêntricos de aspectos assustadoramente insólitos, Russas me faz restaurar acontecimentos passados, como eremita que cai de joelhos aos seus pés e tira o véu preto do rosto a mostrar caras misteriosas de aparências bizarras e decifrar enigmas das éguas ruças. Que por mistério de alguma inspiração sobrenatural, escrevo sobre figura esquisita, indivíduo solitário, louco funesto, seresteiro romântico, gênio precoce, evangelizador trampolineiro, mendigo ilustre, psicopata maquiavélico, malandro extraordinário, acusador mefistofélico, político visionário, lobisomem ensebado, músico prodígio, ébrio coroado de louros, penitente coberto de penduricalhos, beata papa-hóstia, vigário nazista, mas jamais como essa personalidade católica de louvável pretensão moral, que se encontra com o coração de homem santo, bom, distinto, justo, modesto e humilde com os trabalhos voltados para o zelo das almas de toda a natureza humana. Reconhecido e congratulado sobre todos os aspectos por serviços prestados e completamente voltados à igreja, na luta contra o falso moralismo, a injustiça social, a extravagância humana, o egoísmo do mesquinho, amparo do mais fraco, desvalido e desprezado. Contra a futilidade dos bens materiais, a finalidade da educação, da paz e da harmonia espiritual. Cortejado como exemplo de sacerdote digno de receber título de doutor honoris causa, como personalidade do mundo e humanismo à ordem social e moral. Anjo iluminado que nasceu para fazer somente o bem com estima e afeição em busca da esperança perdida. Esse festejado imortal operário do amor universal, pai bondoso e servidor dos pobres russanos, trata-se do benemérito Monsenhor João Luís de Santiago, notável russano, que nasceu no dia 27 de agosto de 1831. Por mais de três décadas foi vigário da paróquia da cidade de São Bernardo das Russas. Devoto consciencioso viveu numa época antiga, quando havia missa matutina e vespertina, reza do rosário, oração da noite e Bênção do Santíssimo Sacramento. E incansável com toda atividade pastoral, aos sábados, domingos e dias santos, visitava os doentes, dava extrema-unção, acompanhava enterro, rezava ao pé do túmulo. Com respeito impreterível cumpria com o serviço religioso nas capelas dos arrabaldes e lugares longínquos. Fazia tudo montado a cavalo a percorrer ao lugar que exigisse a presença do sacerdote. Para não perder as celebrações da Semana Santa e as festas dos dias santificados. Visitava as paróquias, fazia confissões, casava, batizava e benzia. Na Semana Consagrada, por obrigação da igreja, cumpria como penitência encantatória da cura divina ao atendimento do confessionário e ficava de plantão dia e noite para atender penitentes fervorosos, ingênuas beatas e pecadores contumazes. Monsenhor João Luiz, para atender o serviço religioso, na Paróquia de Russas e por todo o município recorria à cavalgadura como única opção de transporte da época. E como a cavalgadura prevalecia na cidade de Russas, a maioria dos habitantes da povoação rumava para a missa na paróquia montada a cavalo. Onde poderia apear-se à porta de uma bodega, no patamar da igreja ou sob uma árvore. Só o que se via em Russas era equinos vendidos nas feiras porque todo mundo andava a cavalo, como meninos de calças curtas, boné e sapatos pesados, mulheres com vestimentas longas, chapéus e sombrinhas, senhores trajando paletó branco, chapéu e botas de couro, a circular rua acima e rua abaixo. Outros paravam montados nos seus animais horas e horas a palestrar conversa fiada. E o cavalo mais valioso de Russas, traduziu-se numa história verídica como descoberta magnífica de cortar a respiração dos russanos. Considerado como a mais privilegiada montaria de honra para monsenhor João Luiz, fez lembrar seu fiel cavalo cerimoniosamente tratado de “Mimoso”. Não por luxo, por fantasia, nem por visão milagrosa de exibicionismo, mas por ser tratado como um servo soberano para o abade. Porque Mimoso, munido de inteligência, adquiriu os hábitos do sacerdote a atendê-lo numa elegância magnífica ao ponto de apenas com um sinal ou assovio do cura dobrar os joelhos dianteiros para que o religioso montasse sem empecilho. De outra forma, não havia como montar com tanta facilidade. Monsenhor se afigurava num homenzarrão de corpo muito forte e estatura baixa que aparentava seu físico ser mais volumoso, como realmente era. E que, além da prática da atividade pastoral preparou o Mimoso para montar bem, executar manobras rápidas, saltos exatos, galope calmo a trotar apressado ao ponto de fazer aumentar o passo para caminhar mais rápido. Fato comprovado por D. Joaquim José Vieira, que a convite do monsenhor dirigiu a cidade de São Bernardo das Russas, a encontrar-se com ele no lugar Malhada Grande, à frente de quase mil cavaleiros, para depois retornar a igreja matriz, com a entrada solene de Dr. Joaquim, para orações na tribuna sagrada a discursar sobre a coroação da Virgem. Mimoso foi um cavalo diferente, adestrado para ficar maleável e aliviar a tensão do desconforto dos longos caminhos percorridos. Condicionado a obedecer qualquer comando, bastava sinalizar. O que mais abismava aos russanos era que Mimoso, com as rédeas soltas, conduzia o abade montado elegantemente para orar de olhos fechados, por centenas de léguas, até o destino pretendido. Depois voltava à paróquia, com chuva torrencial ou escuridão infinita. E defronte da igreja matriz, parava com as patas dianteiras suspensas no ar, relinchava, batia com as patas ao solo, depois dobrava os joelhos dianteiros para o abade descer tranqüilo ao aplauso dos russanos. Monsenhor João Luís de Santiago faleceu em Cascavel-Ce. Seus ossos foram trasladados para Russas e enterrados no mausoléu-capela, da igreja Matriz.                                                                             

 

 

Airton Maranhão 

Advogado e Escritor

Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

DEIXE O SEU COMENTÁRIO

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião da TV RUSSAS. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. TV RUSSAS poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

REDES SOCIAIS

  • Facebook
  • Twitter
  • Soundcloud
  • Youtube

©2009 - 2024 TV Russas - Conectando você à informação

www.tvrussas.com.br - Todos os direitos reservados