COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

MENDIGO ZÉ TEMÓTEO O HOMEM MAIS IMPORTANTE DE RUSSAS

Airton Maranhão (in memorian)

12//2/23/0

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Para quem admira a natureza como pesquisador dos bichos das profundezas incógnitas e das piscadas de olhos dos lobisomens, unicórnios e vestígios de monstros extintos na escuridão, o Serrote Pelado, por sua belíssima visão panorâmica observada do alto do seu topo, localizado na comunidade do Cipó, povoando sonhos e pesadelos do reino das lendas e das sombras, é considerada a mais bela paisagem do município de Russas. Quem sabe daquele Serrote misterioso para resgatar o patrimônio histórico de uma recôndita e estranha gruta insondável, que brota das assustadoras pegadas de seres remotos, com marcas de atividades humanas de civilizações milenares, provavelmente de seres pré-históricos? Existe desde os tempos imemoriais e não é nada fantasioso como os monstros de incredulidade, para crer que Zé Timóteo surgiu daquela caverna pré-histórica. Lembrando essa enigmática e histórica criatura, indagou padre Cabral: “por que não faz uma poesia sobre a pessoa mais ilustre de Russas? Fiquei atônito! Quem seria o eminente conterrâneo? Naquele ano de 1967, Russas tinha como prefeito Zé Martins; vigário padre Pedro, médico Daltro Holanda, poeta Francisco Carvalho, maestro Orlando Leite, etc. Eu não tinha idéia quem seria a colossal personalidade. Prof. Assis Furtado, sorrindo dizia: “Russas, tem Pipiu, Chico Réis, Tarzan, juiz Pifita... E eu pensava no general Cordeiro Neto, no escritor Alberto Galeno, no bustuário João Perdigão... Se fosse hoje, para escolher a pessoa mais importante de Russas, minha predileção seria para o extraordinário professor, físico e cientista Lindberg Gonçalves. A poesia não germinava. Mas, numa tarde na calçada do Sandu apareceu a pessoa mais importante de Russas. O mendigo Zé Timóteo. Negro maltrapilho a pedir esmola e limpar as pedras de calçamento das ruas, conhecidas como paralelepípedos. Aquilo me comoveu assustadoramente, a observar aquela figura macabra. O poema deu um grito! Seria ele o mais importante russano? Mostrei ao padre Cabral e declamei no Colégio Flávio Marcilio. O poema estourou como uma bomba! A escolha do mendigo como a pessoa mais importante do município, naquela época, causou revolta a muita gente. O gestor municipal jurou me expulsar da cidade e o padre Pedro me excomungou. Zé Timóteo tinha sido o dono das minas das terras existentes na localidade do Tourão que originaram o topônimo de Russas. Não se sabe como o ferreiro João da Virginia e outros russanos ludibriaram o mendigo. Originário da antiga localidade isolada de riquíssimo patrimônio histórico, abominável vislumbre sagrado de uma visão lúgubre de mistério, conhecida como Lagoa das Bestas, comunidade ancestral, cinzelada pelo tempo que resguarda um lugar encantado, que mostra os traços notáveis do sangue puro da raça negra, dos tempos dos escravos que ainda ornamenta a nominada Santa Terezinha. Raça impenetrável que serviu de fronteira entre a civilização holandesa e a africana, onde nem mesmo as forças misteriosas do céu misturaram as cores dos antepassados daquela gente. Ninguém conseguiu desvendar a origem do segredo do povo único, de uma raça negra, impenetrável, destinada dos lugares mais remotos da terra. A Lagoa das Bestas retrata a cultura primitiva dos nossos antepassados. Em 1974, Horácio Matoso publicou no Correio de Russas: /ZÉ TEMÓTEO é um homem magro, face descaída,/de braços ossudos, mãos grandes, pouca vida./Sombrio, delgado, sujo, farrapo, corcundo./Alto, engelhado, negro como a noite sem lua/cabelos grisalhos, pés enormes, bunda nua./rígido como pedra, forte como o mundo,/repulsivo de olhos pequenos e mirrados,/peito fundo de coração todo  arrepanhado./Sozinho, silencioso, pobre denegrido!/Cabisbaixo pelas ruas, calado e esquecido,/caminha o dia todo, murmurando o seu desdém/e curvado vai apanhando a sujeira da rua,/sem pudor sequer chega a magoar a alma sua,/agachado, sozinho, sem olhar pra ninguém,/vive sem reminiscência do seu passado,/dormindo calmo nas lajes frias, encravado./Pobre! Só no mundo, essa incansável pieguice/venceu a procela, está vencendo a velhice,/venceu a febre, a fome, a gripe, o sono, a malária,/o frio, a solidão, o sol, e a saraivada de chuva,/venceu as pedradas, os cachorros e a saúva/andando pelas ruas com duas bolsas ordinárias/sem ligar das crianças o escárnio e a zombaria:/“Quedê o couro da ovelha, Zé?” Era a gritaria./Coitada dessa criatura! Os olhos pálidos,/um morto vivo que cata o lixo, inválido,/rua acima, rua abaixo, sem ordenado de um pão,/“chova ou faça sol”, vive a calamidade,/“oh, compadre, sobrou alguma coisa comadre?”/perguntava tranqüilo na pobre compleição/e se nada tem, segue o seu velho trabalho,/sempre a mesma coisa, já tão pobre e grisalho./Esse pobre não tem amor, não tem saudade!/Oh, Zé, por que vives limpando esta cidade?/Nunca sorriste, nunca choraste algum dia?/Que mágoa te traz a vida para esta solidão?/Não tens um parente? Não tens um palmo de chão?/Não tens um teto sequer para a tua calmaria?/Não te lastima calado sem ter nenhum bem?/E assim vive ao léu, sem bandeira, sem um vintém./Por que este teu silêncio? Por que esta tua calma?/O povo que te vê, pensa que não tens alma./És absoluto como um Deus neste segredo,/mas sei que tu sofres, choras ocultamente/tuas dores, teu íntimo, iguais são aos da gente,/choramos a sós dentro da noite com medo/da vida, da morte, do amor, do desengano/afinal pobre Zé, tu também és humano!.../És um dos humanos em cativos sofrimentos,/mas não pede ajuda, não se dá por vencido,/não fala de ninguém. Dívida não cobra a ninguém,/não tem sociedade, jamais teve um só amigo,/não anda armado, pois nunca teve um só inimigo,/nunca ladrão o perturbou, nem polícia também/nunca fez arruaça, nunca bateu sequer num cão,/vive só no mísero mundo da solidão./Zé, louco como um sábio, forte qual coluna,/um dia quando morreres leva tua fortuna/no refugiar do lusco-fusco da vida,/desprezado deste povo, foi teu tesouro/sabendo viver a sós no mundo foi o teu ouro/ e direi quando na tua morte não sentida/ eu te invejo, Zé Timóteo, por esta verdade/ de tu não dares satisfação à sociedade.      

 

 

Airton Maranhão

Advogado e Escritor

Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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