COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

PAPA-SEBO

Airton Maranhão (in memorian)

11//2/21/1

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 Muitas vezes o destino passa a perseguir as pessoas no intervalo de piscada de olhos, e quando menos se espera das lágrimas sepultadas pelo tempo, insignificantes seres humanos sem nenhuma explicação, escalam as cataratas como os salmões. Assim como nasceu a fascinante história verídica do Papa-Sebo e sua mulher Regina. Antônio Porfírio dos Santos, apodado de Papa-Sebo, desinquieto não saía do fundo dos botecos. De peripécias, pileques e porres ele foi o mais presepeiro dos cachaceiros russanos. Começava tomando cachaça do Alexandre Celedônio, botando boneco no Carne Assada do Bigodão e no Carne Assada do Agostinho e virava a noite na embriaguez das mais terríveis humilhações, nos bares e nos botecos, com os seus porres diários. “Papa-Sebo, tu morre de beber cachaça!” “Regina, um dia vou parar de beber.” “Se parar, eu começo.” Afirmava Regina. Boêmio vadio, amante das farras e da galhofaria, quando de volta para casa, aos tombos e às quedas desafiava o Cel. Kerginaldo para ir preso. Cantava Bésame Mucho para o Marcondes Costa e o Ébrio na mercearia do Neném Lopes. Na facécia alcoólatra do seu itinerário não escapava ninguém. “Papa-Sebo, acabe com essa cachaça!” “Como Regina? Se eu bebo e o Parente fabrica mais!” “Eu queria sabe que gosto tem essa praga?” Indagava Regina e concluía: “O mundo pode virar ao contrário.” Regina era requintada não bebia e nem fumava, mas acudia o marido nas sarjetas ou nas bodegas quando caía nas capotadas hilariantes. Ela orava para Nossa Senhora do Rosário agüentando a troça e os comentários. “Papa-sebo, diabo! tá puto o Cabo Guedes, ta puto o Pedro Carneiro e até o delegado Zé Barbosa, tá puto com as tuas cachaças.” “Regina o kòrõnél Cordeiro Neto me protege.” E enfezava no matadouro, no mercado e até na Moageira de Café do Macaibinha. Galhofou do Cabo Alberto. Mangou do Antenor do Pavilhão. Fez piada com Vicente Silva do bar. Roubou pão do Raimundo Padeiro. Empenhou a sanfona do Zé Bolinha, cuspiu no assoalho do Zé Ramalho, fez pose nas vitrines das Casas Pernambucanas, imitava o andar do folclorista Joaquim da Cabocla. Certa noite, num Sábado da Aleluia, queria ser enforcado como um Judas Inscariotes. “Papa-Sebo, cria vergonha nessa cara! Que mau exemplo para o Biró!” “Regina, o Biró do Papa-Sebo meu filho, é muito é macho!” Por conta dessa bebedeira, Helder Moreira e Esdras Campelo, se inimizaram com o ébrio perseguidos de motejos. E não suportando mais o menosprezo e a zombaria, chorou uma vez para Regina no xadrez. A pinga desgraçada daquele etilista acabava as peladas dos meninos. Fazia rebuliço no cabaré do Mario Preto. Alvoroço no forró do Pipiu. Mexia com o Messia do banjo. Perturbava o bumba-meu-boi de Dona Rosário. Bebia sem pagar no Restaurante da Lourdes Bessa. Um dia embriagado no xilindró, com abraços de quebra-costela, prometeu para Regina que ia parar de beber. Ouvindo aquilo, num sentimento de tristeza, Regina caiu no pranto e chorou por muito tempo. Porfírio saiu da cadeia e não mais bebeu e recebeu até louvores do Dr. Estácio, do Zé do Canário, do Farrista e do pandeirista e sapateiro Assis Curema. Com esse largo prestígio levou a desconfiança de sua esposa. “Papa-Sebo, tu parou de beber cachaça? – perguntou Regina, mastigando a língua. “Foda-se a cachaça!” “Se parou, eu vou começar.” Afirmou Regina. Naquele mesmo dia ela começou a beber aos emboléus do mesmo jeito do marido. Papa-Sebo sem apartar os troços também cuidou da esposa com o mesmo cuidado quando ele bebia. Se Regina caía na sarjeta, o ex-cachaceiro levava para casa, agüentando os desaforos limpando os vômitos e quando faltava à amaldiçoada da cachaça, ele comprava. Assim Regina bebeu até morrer.

 

Airton Maranhão
Advogado e escritor
Membro da Academia Russana de Cultura e Arte - ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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