COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

PIPIU E O SINO MAL-ASSOMBRADO

Airton Maranhão (in memorian)

11//2/06/1

Enviar por e-mail
Imprimir notícia

Por mais distante dos fatos passados e históricos de Russas não esquecemos do Chico Bessa com a sua boate Bella Batok, na tradução de (lindo batom avermelhado), moderna, aconchegante, toda coberta de veludo com ar-condicionado e luz vermelha, situada nos fundos da Soveteria do Luis Nogueira da motoquinha preta e branca e da velha cafuringa. Na época do conga-sete-vidas do Zilzo, calça cáqui do Nego Zeca, camisa-volta-ao-mundo do Welser, calças-boca-de-sino do Bão, tuiste da Celly Campello dançado pelo Birita, lambreta do Luizinho, rural das irmãs, beatas Adália e Anália, parangolés do Picirica, dado do Chico da Teté, desfile da Tânia do Ray, serenata do Tabica, bar do Neto lapada, rosas do Florista, pote do Zé Caluca, beque Manoel do Peba, rifa da Espingarda, gamão do velho jujú, Ave, Ave, Ave Maria! da velha Rosa do Rosário, Raí-ban-espelho do Tremendão, fuga das internas do Patronato, abajur do Zé do Campo, gabolice do Zé do Ouro, serviço de alto falante do Padre Valério, canoa do Chico Réis, grana morolesse do Sucupira, parrudo Doidão, funerária do Raimundo Maia, birinaites do Pinto, pé-dois do Assis Doido, matada no peito do Zagueirão Mororó, Weber pernas-de-pau, chute bomba do Benone, levantadas do Toim Boy, tertúlias do colégio, Escola de Samba Unidos da Monsenhor João Luiz, Casa de Jogo do Leonel, pai do Moco, Fafá que desdobrava cachaça, Parente da inchadeira que quase matou o Varinha do Fulô. Época que o Assis do Antônio Ourive dava grito de Tarzan dentro do Circo para endoidar o Cabo Guedes. Do Baiano, negrão alto, que expulsava os bêbados do cabaré ao sussurrar do Farrista: “há, um rifle bom!”. Zé Vitório que chamava todo mundo de côrno, e apanhava e repetia: “Zé do Ouro, côrno vei!” Continuava o bêbado: “Zé do Ouro, côrno, côrno, côrno e pronto, você é côrno, côrno.” Gritava da carroça: “Zé da Onça, côrno! Papa-Sebo, côrno! Pirú, côrno! E o Chico dos Pitós, meu Deus! Esse era infernal! Vai perturbar o demônio, Chico dos Pitós! Do tempo em que a porca do Zé Vicente, toda vez que paria uma dúzia de bacurim, e ela comia todos eles, se um bêbado quebrava um bar e riscava peixeira no chão para não pagar a conta, era o espírito da porca do Zé Vicente, se o padre Valério corria atrás da mulheres para expulsar da igreja por causa dos pecados que contavam, era o espírito da porca do Zé Vicente, se uma fuampa ficava atuada na coaça da Eufrozina botando boneco, era o espírito da porca do Zé Vicente. Tudo que acontecia de estranho, assombroso e maldito na cidade de Russas, era o espírito da porca do Zé Vicente. Tempo em que havia os times do padre Venceslau e do padre Cabral no Colégio Flávio Marcílio, em que o jogo colegial era realizado no Estádio da Associação Atlética Russana, pelo negro Manoel Pipiu com a orientação do prof. Chiclete. E aconteceu logo com o Pipiu que era vigia noturno do Colégio Flávio Marcílio e por morar no Tabuleiro do Negros perto do cemitério, tinha medo de alma. Certa feita quando fazia ronda à meia-noite ouviu o sino da igrejinha repicar. O sino da Capela de São Francisco do Colégio Estadual, repicou. Pipiu tremeu aparvalhado. Alumiou a lanterna para a torre da igreja e para o sino que estava em silêncio. Coçou a cabeça com espanto e ficou alumiando o sino vez por outra. “Será que estou ficando doido?” Novamente o sino bateu. Pipiu focou a lanterna e nada na torre. Daí o sino repicou por mais duas vezes. Pipiu puxou o terço e começou a rezar. Correu para a igreja subiu devagarzinho a escada tremendo de medo, alumiou o sino e nada. Mas logo diante dos seus olhos o sino tocou desembestadamente e não parou mais. Pipiu desceu da torre da igreja assombrado enquanto o sino repicava sozinho. Não havia ninguém, nem padre, nem o Tonico sineiro da igreja matriz. Era uma coisa do outro mundo. Mas o sino parou de bater. Pipiu por ser um negrão forte, valente e destemido vigia do Colégio, arrojou-se de coragem com uma faca na mão e a lanterna na outra. E foi iluminando tudo, a torre da igreja, o sino e a Av. Dom Lino, e nada. Não havia ninguém e o sino no silêncio como batia sozinho? E sem mais repicou apresada mente. Pipiu desceu a escada, abriu a porta do colégio pegou a bicicleta e voou para casa. E ao passar perto do cemitério de olhos fechados, quase caiu dentro da Caiçara. De manhã bem cedo, ainda assombrado, contou tudo ao professor padre Cabral e a professora Carlota que subiram pessoalmente com Pipiu e outras pessoas à torre da igreja. Especularam tudo e nada havia de errado. Pipiu jurou que ouviu o sino repicar e não era mentira. A vizinhança ouviu o badalar naquela hora da noite. Muito gente correu para a calçada para saber daqueles badalos. Logo correu o boato que o sino da igreja do Colégio Flávio Marcílio estava mal-assombrado. E por várias às noites, sozinho passou a dobrar. Até o soldado Amadô ficou a observar, mas logo sumiu com medo. Manoel Carão se benzia ao meio-dia. O pistoleiro Nilson Cunha fechou as portas da casa. No Cinema Cine 5 de Junho, Marcondes Costa não tocava mais a música Bésame Mucho! Padre Valério só passava frente à igreja apontado o revólver para o sino. Mas numa noite pegaram o Cleoman Fontenelle, dentro do prédio da Escola de Comércio Padre Sacarias Ramalho,  puxando a linha nylon amarrada no badalo do sino que fazia com que o mesmo repicasse. Marco Antônio, o Fofinho foi quem comprou a linha na Casa Nova e quem amarrou a linha no sino foi o Liliu. Cleomar sumiu de Russas. Fofinho fugiu para Fortaleza. E Liliu com o soldado Amadô, apenas briga de bofete. Pipiu nunca mais dobrou o sino da igrejinha do Colégio Flávio Marcílio e há quem  diga que aquele sino é mal-assombrado.

 

Airton Maranhão
Advogado e Escritor
Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

DEIXE O SEU COMENTÁRIO

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião da TV RUSSAS. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. TV RUSSAS poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

REDES SOCIAIS

  • Facebook
  • Twitter
  • Soundcloud
  • Youtube

©2009 - 2024 TV Russas - Conectando você à informação

www.tvrussas.com.br - Todos os direitos reservados