COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

ZACARIAS RODRIGUES EX-GUARDA DA MALÁRIA

Airton Maranhão (in memorian)

11//2/22/1

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 É muito difícil entender o amor nos corações de quem se une para embelezar a eternidade das flores e da pintura esplêndida do pôr-do-sol, com a mais bela criação da primavera da vida, como o amor encantado que inspirou Zacarias Rodrigues Filho, agropecuarista aposentado, que recentemente, no dia 16 de julho passado, depois de tantas festas de bodas de cristal, prata, ouro e diamante, aos 94 anos de idade, comemorou na sua residência, bodas de vinho, 70 anos de núpcias com a sua esposa, Ana Nogueira Lima, de 89 anos de idade, e sua família de 9 filhos, 35 netos e 7 bisnetos. Seu Zacarias casou-se com Dona Ana no ano de 1941, com muitos trunfos de amor e respeito a essa benemérita professora municipal, aposentada, que lecionou por três anos na cidade de Quixeré, e substituiu a incansável educadora Dona Rocilda, para depois exercer o magistério por 41 anos em nossa terra natal, com todas as dificuldades da época em que não havia escolas públicas e a professora ensinava em sua própria residência. Aqui, contemplo com todas as palavras de aplauso a esse belíssimo e invejável casal, que por todo esse tempo de amor eterno, representa para os russanos o mais belo e duradouro matrimônio no município. Feito esse que merece entrar para o Livro Guiness dos Recordes. Seu Zacarias, de talento vivo e vibrante, quando ainda criança, em 1924, presenciou uma das maiores enchentes de todos os tempos no vale jaguaribano, quando o rio Jaguaribe transbordou ilhando Russas desde o Tabuleiro dos negros até o sopé da serra do Apodi, cobrindo de água o quadro da Matriz, que além do sofrimento dos inundados com as casas invadidas pela enchente e a fome dos flagelados, José Ramalho, prefeito municipal, pouco pode fazer diante a imagem terrível daquele inesperado dilúvio. E o mais grotesco e estranho foi que em plena enchente, no dia 6 de julho, ao falecer o pároco da cidade, padre Zacarias da Silva Ramalho, o povo miserável de nossa freguesia, que sofria sem alimentos, medicamentos e agasalhos, vagando como uma multidão de desabrigados famintos, para escapar da cheia de 1924, foi obrigado a custear as despesas do pomposo enterro do sacerdote, e ainda mais, com a indigna missão de depositar uma coroa de valor incalculável sobre o caixão do finado num festejo de ostentação comemorativa para o mesmo ornar-se no céu num aparato de riqueza adquirida com as lágrimas e o sofrimento dos pobres russanos. E num momento triste e marcante na história de nosso município, anos depois, na década de 1930, quando nossa cidade chamava-se São Bernardo das Russas, e mesma foi atingida por uma epidemia de malária, quando os doentes ficavam nas janelas de suas casas, com os olhos vítreos no vácuo do céu, a observar o paraíso dos urubus desinquietos, num vôo sepulcral, por sobre os telhados. Aqueles urubus pareciam prever a partida de algum infeliz que não conseguia a tempo o expurgo do mosquito infernal. Muitos na esperança de findar aquela agonia vagueavam a noite inteira com archote a clarear o resquício de vida a procura do Guarda da Malária. E seu Zacarias, ao presenciar o avanço da peste, ao surgir à laureada figura de Guarda da Malária, uma espécie de autoridade sanitária, treinada num processo seletivo por uma equipe técnica para evitar a propagação do transmissor da doença, digno de menção, encorajou-se para se engajar naquele ofício. Somente uma pessoa moderada e corajosa aceitaria com aptidão e sensatez tão espinhoso trabalho, porque tinha que tolerar uma disciplina militar árdua de Guarda da Malária, usar uniforme sempre limpo, sapatos engraxados, se barbear diariamente, cumprir horário, vigiando em demasia e em constante fiscalização para não perder a consciência do combate à erradicação da epidemia da peste malárica que deixava um rasto de morte, destruição e miséria, no Baixo Jaguaribe. Seu Zacarias, com todo respeito instintivo não perdeu a oportunidade de trabalhar para erradicação da peste. E assim, com ação e dinamismo como enfermeiro, assumiu o posto de trabalho com honrado procedimento que desfrutou um reconhecimento maior perante a população. Por simbolizar o uso da farda, vinculado ao Instituto Oswaldo Cruz que montara um posto médico na Timbaúba de Nossa Senhora das Dores. Onde ali passou a ser o responsável pelo mencionado posto, que realizava os serviços discernentes ao foco principal da peste, com a tarefa de esclarecer às pessoas as formas de contágio do mal. Muito embora cuidasse de todas as mazelas que apareciam no posto, era assistido por uma médica do Rio de Janeiro que prescrevia os medicamentos. E como enfermeiro e Guarda da Malária, fazia aplicação de injeção e acompanhamento dos enfermos. Fazia coleta de sangue todos os meses para conferir a evolução da moléstia, além de fazer pequenas cirurgias e curativos. E esse herói russano somente findou o seu perigoso trabalho epidêmico enfrentando exposto o terrível transmissor da morte, com o controle completo da epidemia. E esse enfermeiro herói, com 94 anos de idade, pode se dizer com todo orgulho de sua família e de todos os russanos que é o único ex-guarda da malária vivo no Brasil, que prestou relevante serviço humanitário e social, arriscando a própria vida para erradicação da peste terrível. E é com esse feito histórico do nosso querido russano Zacarias Rodrigues Filho, a quem venho blasonar essa proeza e parabenizá-lo também pelo 70 anos de núpcias com a sua esposa Dona Ana Nogueira Lima, exemplo de vitalidade e união fidedigna, com todos os fundamentais princípios do amor verdadeiro, com toda moralidade da raça humana e com todo o trabalho benfeitor para a humanidade.

 

Airton Maranhão
Advogado e Escritor
Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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