COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

ANA ROSA MAIA, DONA LOLÓ

Airton Maranhão (in memorian)

11//2/29/0

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A divina centelha da vida se inícia no útero da mulher como o milagre de todos os segredos do universo, a imortalizar o ser humano na busca do seu destino que o realiza por força das idéias, dos atos próprios e das palavras precisas. Nessa inspiração nasceu Ana Rosa Maia, mais conhecida como D. Loló. Um ser bastante inteligente, dominadora, brincalhona, inusitada, alegre e cheia de vida, sem acabrunhamento, medo e tristeza, e que com insultos insuflava do pomposo ao mequetrefe a botar apelido em todo o mundo e detestar os bilontras e os biltres. Dona Loló, além de uma mulher de muita fibra, célebre e mestra dos apelidos, era uma russana sutil, destemida e corajosa, de face graciosa, sem papas na língua e sem receio de esculhambar na cara, juiz, promotor, delegado ou qualquer enxerido que se metesse de besta para com ela. Como assim, rasgou a palavra para todos que estavam presentes, quando passava perto da sua barraca, o baixinho do velho Deoclécio Gondim, que possuía uma loja de tecidos: “Mizael, quando o pano envelhece, o miserável daquele velho Deoclécio Gondim, sem poder mais vender, enterra os tecidos para não dar a ninguém. Nem mesmo aos pobres.”, “Por quê Deoclécio faz isso?” – indagou o gordão Mizael. “Porque o baixinho é ruim. É pão-duro. É sovina.” Em Loló o que lhe fora mais estranho em toda sua vida foi que possuiu três maridos, casando-se por três vezes, primeiro com Benedito Leite de Oliveira, segundo com Manuel Maia Sobrinho e com o terceiro, o ourives Samuel Leite de Oliveira. Este último, irmão de Benedito Leite de Oliveira. E que para o mistério dessa mulher intrigante, somente teve filhos com os mencionados irmãos. A velha brincalhona mantinha um pequeno comércio, uma barraca ao lado do mercado municipal, e vendia aviãozinhos, pentes, espelhos, bolo, aluá, pé-de-moleque, etc. E quando era de madrugadinha, muitos russanos aproveitavam para tomar café, conversar e pitar o velho cachimbo com a folclórica Loló. Mas quando aparecia a meninada do Ginásio Jaguaribano, comandada por Francisco Carvalho, atualmente, poeta consagrado mundialmente, Lenine Meireles Perdigão e seu irmão Hirano Meireles, depois de deliciar as guloseimas da D. Loló, começavam a adivinhação de pura algazarra, gritando em coro: “O que é o que é, um pau no meio e cinco arredor?” Todos respondiam ao mesmo tempo numa canalhada dos diabos. “É a barraca da Loló.” Sem dar atenção às risadas dos espectadores, D. Loló, numa cara sisuda, soerguia-se de supetão do tamborete, sacolejando o cabo de vassoura na mão, saía de sua barraca, esbravejando irada. Seus olhos pareciam faiscar como os dos bichos na escuridão. Nesse ínterim, com um sorriso fagueiro, gritando numa correria adoidada, caçava os meninos que provocavam a adivinhação. Enquanto Francisco Carvalho, puxando a corda da Cachorra Doida, batia o sino da entrada do mercado, fazendo com que o gordão Mizael, corresse também, atrás da meninada, com um chicote na mão. “Tu morre seus desgraçados!”– gritava D. Loló. “Eu pego vocês, seus danados dos infernos!”– esbravejava o gordão Mizael, correndo atrás dos meninos. “Eu mato vocês, seus demônios dos seiscentos diabo!”Temendo levar chicotadas nas canelas e vassouradas no quengo, espalhavam-se numa fuga desvairada pela Rua do Arame, pela Rua da Frente, dentro do mercado, entre as barracas da feira, às gargalhadas, aos gritos histéricos, enquanto uns puxavam a corda da Cachorra Magra, os outros repetiam a adivinhação: “O que é o que é, um pau no meio e cinco arredor?”, ”É a barraca da Loló.”, Os russanos não tiravam da mente aquela brincadeira de menino travesso. Que anarquia! Que diversão! Loló, mesmo com olhar sombrio, ria como uma criança quando  gracejavam da mirabolante adivinhação. Mas não gostava que o pedinte Raimundo Mamão, o doido Comunista, o maltrapilho Zé Temóteo ou o Chico Réis tirassem essa brincadeira. Virava bicho da ignorância. Arrepiava os cabelos a rebrilhar os olhos como os gatos no escuro. O pau troava no costado, sem piedade. O apelido comia de esmola. A faca de lâmina longa era empunhada. Poderia ser o juiz Júlio Barbosa Maciel, promotor de Justiça José Ribeiro Dantas, Delegado Regional, Cap. Francisco de Assis Pereira, prefeito Manuel Matoso Filho, Cel. João de Deus, padre Terceiro, Juari Oliveira Loureiro, Mário Milton Torres Ferreira, Cel. João Ivo, Dr. Estácio de Sousa, Francisco Maia Perdigão, Argemiro Torres, Nadeu Santiago Leite, Assis Pires, Zé Maranhão, carroceiro João Pequeno, Chico Cobrão, Dondom Pacheco, chefe de polícia Cordeiro Neto, Lalá do Zebio ou até mesmo com o birrento Mizael que controlava a entrada e saída do mercado, batendo o sino, acunhado de Cachorra Magra. Além da garotada, ninguém ria e nem zombava da Loló. Era uma mulher brincalhona, acostumada a infernizar a vida dos outros, principalmente do pedinte Raimundo Mamão e do Comunista, a azucrinar com mangação, ultraje e gaiatice a furiosa Dudu e ao valente Barbosinha e quem aparecesse na sua frente, num atributo de gracejos e de apelidos. Mas um dia quando Ana Rosa Maia sentada numa cadeira de balanço, na calçada de sua casa, na Rua Padre Raul Vieira, seu filho Manoel da Loló jogou uma bomba cabeça e negro sob a cadeira, e Loló, devido à explosão e o susto faleceu de um enfarto fulminante a findar ali o destino de quem fez folclore da mais popular mulher de nossa cidade de Russas, rica de heróis e de pessoas inauditas como Ana Rosa Maia, Dona Loló, protagonista de todas as homenagens. 

 

 

Airton Maranhão
Advogado e Escritor
Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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