COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

O IMORTAL ZÉ BIZIRA

Airton Maranhão (in memorian)

11//2/17/0

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Russas realmente é uma cidade incrivelmente criadora de mitos estranhos, birrentos, horrendos e de manias satânicas, que nos faz narrar com terror e espanto a história tenebrosa de um esquisito e aterrorizante ser, que povoou as terras de São Bernardo das Éguas Ruças, com seus horripilantes calafrios de imagens, pesadelos e tentativas de suicídios. Esse possuidor de magnetismo funesto consubstancia-se no nebuloso indivíduo Zé Bizira, sujeito alto, magro, brancoso de espectro rude que residia perto do matadouro. E que retrato pela insondabilidade da morte, não como legendária criatura a desnaturar do santélmico conterrâneo, a personagem que de seu renome suicida louco, celebrizou-se pela vontade imensa de morrer, simplesmente morrer. Sua mirabolante história inspirou este escritor no romance Os Mortos Não Querem Volta, considerado por muitos críticos, obra-prima da ficção brasileira. Zé Bizira, transformado em maus augúrios, quebrou os gradis da clausura dos seis sentidos, não por medo da face do mal, da desgraça da morte, nem por desfrutar-se na vida miserável, sem má índole a patentear qualquer resquício de atrocidade anterior. Zé Bizira sempre se posicionou como um excelente trabalhador, mesmo como modesto carpinteiro e bom pai de família, em plena fase da terrível sobrevivência. Mas, inesperadamente, ao perder o emprego de uma serraria, caiu em profunda frustração e desespero de loucura. E por autopunição se desfez vazio na impressão de indivíduo sem compromisso com a família. Sem iluminar o ideal para viver pelos insistentes martírios da morte, irou-se contra a vida e passou a pensar em morrer. Se existia algo melhor que conclamar a vida nesta terra, por mistério incurável e motivo aparente, estranhamente deu as costas ao destino e surgiu do lado obscuro da lua a aclarar os caminhos da triste catacumba. Insano de pura irracionalidade, no suspiro de fracas entranhas e insignificância, na ausência total de sobrevida, perseguia seu velório a vaguear na noite pelo cemitério. No crepúsculo matutino sentava-se perto das cruzes solitárias, à beira da estrada, a observar os urubus no céu. Zé Bizira só pensava no seu enterro envolvido de religiosidade a seguir os rastros do demônio. E na profunda frustração, tentava de forma impossível e absurda, os mais bárbaros e cruéis suicídios. Compromissado para findar seus dias, enviuvava-se da vida, indiferente de frustrações ocultas, que atormentaram Freud, que asseverou: “a felicidade não é a realização dos desejos infantis.” Zé Bizira, como religioso que jamais descumpria os deveres do cristianismo, como fervoroso crente com a sua fé inexplicável de um deus, de um castigo e de um inferno, tentava os seus suicídios pela remissão dos pecados, pelo arrependimento e pela fé. Que tal dogma não é nada mais que um convite para pecar. É isso que a Bíblia ensina, pode pecar à vontade que há remissão dos pecados. E assim, por tamanho arremedo pode estuprar, roubar, matar, trair o marido, tentar suicídio e esfolar a mãe, depois basta acender uma vela e rezar ou assistir uma missa, está tudo perdoado. O pistoleiro antes de matar, reza e comunga para limpar a sua alma na convicção da remissão do pecado que iria cometer. Conclusão: a religião é uma apologia ao crime e nada mais. Ao lembrar L. Buchner, “não diz a própria Bíblia que há mais alegria no céu por um pecador arrependido do que por cem justos salvos?” Crendo na remissão dos pecados, Zé Bizira trilhou a beira do abismo, não por conta do aperreio da vida nem por falta de amor à sua mulher Carmélia. Crendo na remissão dos pecados, tentou suicidar-se pulando debaixo de um carro que passava em frente a sua casa. Escapou por milagre. Depois deu uma facada no peito e não morreu. Pulou debaixo dos cascos de uma boiada que passava nas terras do Boanerges, foi salvo pelo Batente, sofrendo arranhões. Numa noite, quando Carmélia foi para a missa, tomou todos os comprimidos que tinha em casa, e recuperou-se no hospital. Mergulhou dentro de um profundo cacimbão, escapou ileso. Outra vez se trancou no banheiro que ficava fora de casa, amarrou uma rodia de pano na cabeça e tocou fogo. Só não torrou o juízo devido às filhas Leonete e Ana. Pulou na enchente do riacho Araibu, quando foi salvo pelo Biró-do-Papa-Cebo. Tentou se enforcar numa árvore, mas a corda se quebrou com galho e tudo. Pulou em baixo da carroça do João Pequeno e escapou dos coices da burra que quase lhe acerta a cabeça. Assim, sentia-se amaldiçoado sem conseguir o macabro intento. Uma noite Carmélia observou que Zé Bizira passava o tempo coçando a cabeça; não era piolho. Ao olhar no topo da cabeça da macabra criatura, tomou um susto terrível. Zé Bizira tinha um prego caibral fincado na cabeça. Assombro maldito! Carmélia levou o suicida para o hospital de Russas e lá ficou constatado pelo médico Dr. Daltro Holanda que Zé Bizira havia fincado um prego caibral no meio da cabeça, e com apenas dois centímetros fora do crânio, não poderia operá-lo. Zé Bizira morreria. Assim, sem conseguir morrer de outra forma, sentado num tamborete frente sua casa, ao espiar os meninos da rua jogando triângulo com um prego caibral, este caiu aos seus pés e numa conseqüência sobrenatural, de um terrível pesadelo, imediatamente cravou o prego caibral no meio da cabeça, com auxílio de uma pedra. Depois de ser internado no hospital russano, o prego infeccionou a cabeça do pobre Zé Bizira, que morreu com a Bíblia na mão, acreditando na remissão dos seus pecados, pelos crimes que cometera. Remissão dos pecados que sempre provoca as mais tétricas façanhas criminosas, assim, como o suicídio do Zé Bizira que fincou um prego caibral na cabeça.
Airton Maranhão

 

Advogado e Escritor
Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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