COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

OS TERNOS DO ALFAIATE CHICO CANCÃO

Airton Maranhão (in memorian)

11//2/28/0

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Lembrar de Russas, dos bons e velhos tempos, é aflorar da memória a marcha triunfal daquelas belas cafuringas a diesel feitas de madeiras e movidas à manivela, que desfilavam pelas ruas da cidade, como a cafuringa da Mundinha, da Farmácia Maciel; do João Farias; do Luizinho do Bruno e do Luiz Nogueira, da fábrica de picolé, mas que sumiram num passado de recordações. O misto do Joaquim Barbosa que fazia linha de Aracati, Jaguaruana e Russas; o do Osvaldo Gomes, de Russas, Borges e Jaguaruana e o do Tio Joel, de Russas para Fortaleza, perderam-se no tempo. A carroça do Luiz da Amélia, que transportava carne do matadouro para o mercador público, nem rastro. A bicicleta Goerick Alemã do passeio macabro do fantasmagórico Padre Valério, sumiu com as quermesses. O caminhão Chevrolet do velho Coração, que retirava o lixo das ruas, com relevantes serviços para a limpeza da cidade, virou saudade. O motor Ralliday do fantástico João Loureiro, que fazia malabarismo pelas ruas de Russas, pilotando deitado, de lado, de braços abertos, de pé e de costa em cima do motor, seguiu um destino encantado. A motocicleta do mecânico Finim, construída por ele e que o levou a morte, nem notícia. A carroça do João Pequeno que vendia água de casa em casa, matando a sede dos russanos, foi vendida para custear o seu time de futebol. O Chevrolet fantasma que vitimou Zé Maia, da oficina de consertar bicicletas, no Beco do Vicente Silva, sempre aparece na curva do cabaré. O Carrossel de ferro e de madeira do Antônio da Marta, que dois faróis a gás iluminavam por dentro, empurrado no braço por Agostinho Cabeludo, Jabatão e Batente, não restou nem os cavalinhos. O inesquecível Bar do Vicente Silva, defronte à Praça Monsenhor João Luiz, na Avenida Dom Lino, representava a alta cúpula da sociedade russana, foi transformado numa farmácia. A esquecida Banda de Música de Russas, em que faziam parte meu avô Zé Maranhão e meu pai Assis Maranhão, Banda que recebeu a mais a importante manifestação cultural de nossa cidade, vice-campeã brasileira, não resta nem um dobrado! O cata-vento americano do Vicente Leite, visão panorâmica do Araibu, sumiu com a casa do Mergulhão. O secular tamarindeiro da velha Rosa do Rosário, com bandos de graúnas e tangarás, Ca sacas e periquitos voando aos trinados por sobre a imensa copa, no entardecer, nem sombra. O que foi feito do Pavilhão da Praça Monsenhor João Luis, recanto dos boêmios? Nem o verde de suas paredes. A gigantesca Caixa D’água, a primeira obra pública municipal construída por ordem do prefeito Dr. Raimundo Maciel Pereira, para normalizar o abastecimento de água do município, foi demolida em lágrimas. O Poço do Velho André onde cresceu na sua profundidade o agigantado pirarucu de coloração escura, com partes avermelhadas, com quase 2,5m de comprimento, ficou mal-assombrado. A demolição da igrejinha de São Bento, no Tabuleiro dos Negros, construída pelos índios, nas dunas de areias brancas, nem um tijolo! Como a demolição do luminoso bloco de pedras que patenteou as fantásticas éguas ruças, que se classificou como um dos fatos de maior descaso e depredação de monumentos históricos nos anais dos demolidores russanos. Espera-se que no local dos antigos blocos de pedras seja posta uma placa comemorativa e erguida uma monumental estátua de São Bernardo das Éguas Ruças, com suas Bestas, representando para Russas, sua origem. E a missa que o povo russano assiste pensando ser de Nossa Senhora do Rosário, padroeira em Russas, não é ela, não. A da Nossa Senhora do Rosário, padroeira em Russas desde 1683, está em Sobral. E desde 1913 passou a ser representada por Nossa Senhora do Rosário de Pompéia. E o russano engole essa farsa da igreja. A imagem de Nossa Senhora do Rosário, padroeira de Russas, foi retirada do Altar Mor no dia 06 de Janeiro de 1913, por ordem do aracatiense Pe. Zacarias da Silva Ramalho. Agora vai completar um século que a padroeira de Russas vem sendo Nossa Senhora do Rosário de Pompéia. Por que retiraram do Altar Mor a padroeira de Russas, Nossa Senhora do Rosário, e colocaram Nossa Senhora do Rosário de Pompéia? Essa é a face mais tétrica, cruel e tirânica da igreja, que com sua macabra farsa, celebra missa e faz procissão com a falsa padroeira, tornando mais fúnebre ainda de corpo presente da padroeira Nossa Senhora do Rosário de Pompéia. Russas vai completar 100 anos com uma padroeira inexata? Por que a verdadeira foi vendida para o museu de Sobral? Um século sem investigar essa revelação profana? Não é exagero! Quem vai pagar por tamanho crime. Não, a igreja não comete crime, comete pecado? Mas pecado com convenções tradicionais basta à remissão dos pecados para sanar o teatro de horror, o simulacre de degradação de todas as honras? O povo russano deve lembrar-se da instalação do Forte Real de São Francisco Xavier, em 1696, que hoje no seu lugar, na Avenida Dom Lino, perpetua vários sobrados ao lado da Praça Monsenhor João Luis, sem nenhuma placa indicativa ou comemorativa, como parte representativa do histórico de Russas. E como reimplantação imaginária o valor histórico de Russas se vislumbra como uma visagem que ensina a perceber que essa transgressão não depende somente da crença, mas do poder e do comportamento social dos russanos, girando na mesma dimensão da roda. E para inventar a roda demoliram também o “Palácio do Bispo”, Dom Lino, abençoado padre de Russas, Lino Deodato Rodrigues de Carvalho. Muitos desses demolidores morreram sem pagar o terno feito pelo alfaiate Chico Cancão, e como todos os anos caem flores do céu e o cemitério russano, dia de finados, fica perfumado como um jardim, e todos os defuntos juntos recebem ao mesmo tempo, significativa homenagem do dia dos mortos, com flores caindo do céu, para perfumar os demolidores de nosso patrimônio histórico que não pagaram os ternos do alfaiate Chico Canção.

Airton Maranhão
         Advogado e Escritor
              Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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