CONFIRA TAMBÉM
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No meu pouco entender das coisas, a loucura é um monstro que caminha à beira do abismo, na solidão dos esconderijos secretos da própria existência, alheio ao íntimo do ser, da luz do sol e do brilho das estrelas, vivendo na obscuridade incognoscível da vida, que desafia os mistérios da criatura humana. E nesse quadro de loucura conhecemos o Assis Doido, moreno claro, sínico, com um sorrido zombeteiro, num rosto inconfundível de ser bestial, que a sorrir nos dias de sol ardente, perambulava descalço, zombando das cruzes à beira da estrada. E quando era noite de lua cheia, ralhava o bordel da Lourdes do Quinquim, jogava pedra nas igrejas, nos mistos e corria atrás dos meninos, das mulheres, das freiras e dos padres a gritar: - Olha os zoim! do Frei Capuchim! E ao desfigurar a sua imagem numa máscara de medo e loucura, apedrejava as catacumbas, o quartel, os sobrados e o casebre do feioso, Cabeça do Nequim. Caçoava do cata-vento do Vicente Leite, esmolava na coaça, nas bodegas e no mercado: - Olha os zoim! do Cabeça do Nequim! Assis Doido corria atrás dos jegues relinchando adoidado. Bisbilhotava manco, catacego e aleijado e perseguia o abatedor Caboquim. Destroçava da Dudu, dos coroinhas e das beatas e piscava os olhos para as freiras do patronato: - Olha os zoim! do nêgo Caboquim! A andar com pernas finas e as calças arregaçadas falava mal da moto java do João Loureiro, gozava da Palmira do Valentim, mangava do Bem Bem, do Dr. Joaquim Ramalho, do viado Sucupira, das fuampas e dos que freqüentavam os lupanares, conhecidos como Coaça: - Olha os zoim! da Palmira do Valentim! E na sua loucura e semvergonhice, troçava o padre Valério, o chatô do Mário Preto e apedrejava a bodega do delegado Zé Barbosa. E às gargalhadas, insultava a motoneta do mecânico Finim: - Olha os zoim! da mota do Finim! E corria adoidado atrás dos cachorros, dos gatos e das velhas matutas. Debochava dos enterros, dos finados e dos coveiros: - Olha os zoim! do morto anãzim! Com aquele sorriso horripilante de mal-assombrado, galhofava da carroça do João Pequeno, imitava o clarinete do Campelim, blasonava o lorel do Tio Joel e o caixão de defunto do macabro João Cobrão: - Olha os zoim! do clarinete do Campelim! Cassoava do turíbulo do Tonico, do veado João Guilherme, da cafuringa do João Farias e do adro da matriz, mangava do Borgim, vaiava o Pavilhão do Seu Antenor. E sempre apontando para Manuel Cordeiro do sobrado: - Olha os zoim! do sobrado do Manuelzim! E batendo as mãos como a percussão dos pratos, em marcha seguia a banda de música assobiando os dobrados do Mestre Quinquim. Zombava do saxofone do Concílio, imitava o Anísio do trombone tocando embriagado: - Olha os zoim! do Mestre Quinquim! Assis Doido nunca fez mal a uma moça, a um padre ou a uma freira, era um doido manso só de fazer vexame, passar vergonha nos outros, mas, quando pegava um cabra bebim, ele se tornava perverso, judiava com beliscões, chulipas e cascudos e imitava o Caçote, fodendo a Caçota na Coaça: - Olha os zoim! do cara de Tabaquim! E quando assistia a missa que o padre Pedro dizia em latim dominus vobiscum, ai o Assis Doido imitando outro doido, Zé do Peto, respondia: - “Domo opisco vem pra cá que eu ti belisco.” E xingava o padre Pedro: - Olha os zoim! da saia do padim! A loucura é uma melancolia extraordinária, nem todos os seres humanos possuem esses colmilhos venenosos.
Airton Maranhão
Advogado e escritor
Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA
.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de
Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e
romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo
das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem
Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura
e Arte.
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