COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

CAÇOTE

Airton Maranhão (in memorian)

10//2/20/1

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Pelas próprias leis da natureza, com impulsos de forças poderosas e desconhecidas, nasce o ser quando o cordão umbilical talha a existência sã, bizarra ou diabólica a cicatrizar o umbigo do beço ao túmulo, com um filamento invisível de mistério e destinação a eternizar o passeio de cada um na face da terra. Um macabro ser de miséria e deficiência a coaxar como os sapos, surgiu em Russas, com a aparição do Caçote, sujeito baixinho, cambota, cabeça pequena, desdentado, com aparência fantasmagórica dos inusitados seres malditos. Criatura que se movia com agilidade, gago, feioso, cheio de cicatrizes, brejeiro, valente de assombro terrível, um subtipo demoníaco de canibal avoroso com a pele parda de pigmeu birrento. Cresceu com dificuldade de pronunciar as palavras, com a ignorância dos costumes, das coisas comuns e da vida civilizada, na embuança aos emboléus. Nas enchentes caudalosas do riacho Araibu, nos invernos de imensos temporais, desafiava a polícia pulando da ponte do padre Valério. No fuzuê da pindaíba pelo vício da cachaça quem lhe pagasse uma dose, com um ataque de surpresa, dava uma tapa num filho-sabe-lá-de-quem, bêbado, demente ou velho, desconhecido da cidade e fugia para o cemitério. E assim, malvado, feroz, valente, covarde e traiçoeiro, dentro do mercado se embolava com os vira-latas, grunindo como um cão, ironicamente tenebroso e descomunal demônio na monstruosidade funérea, e sem temer a desgraça mordia as esfomeadas feras. Caçote era perigoso a confiar na sua força, loucura e coragem, ensandecido pelas diabruras tornara-se um satanás farejador de encrenca. Certa vez, num sábado, por volta das 19 horas, no bar do Vicente Silva, onde se encontravam o coronel Zarlu, coronel Amauri, coronel Eugênio, Valdenor Meireles, Nelito, o patrulheiro Rodoviário Miguel Toyota e outros, quando chegou o Caçote embriagado e disse: “Qui, qui eu vou subir na torre da igreja.” Todos zombaram daquela impossível loucura. Mas o Caçote, sem demora, subiu pelas paredes da igreja até a torre que fica do lado da Farmácia Ramalho, no topo da cruz escanchou os pés, ficou de cabeça para baixo e tirou a camisa, para o espanto da multidão que se formava para observar o fascinante russano. E lá de cima da torre da igreja Matriz, pendurado na cruz, de cabeça para baixo, ridicularizou o padre Pedro, Tonico, Cabo Guede, e difamou o Vicente Silva, os coronéis, o delegado Quilimério, elogiou a fuampa Eufrozina, depois desceu da torre escalando a parede da igreja, aos gritos e motejo da canalhada russana. Encontrando-me com o Caçote na Coaça do Mario Preto, ele me confessou. “Nesse cabaré, só transo com a Caçotinha minha irmã, ela faz pra mim, pela metade do preço, porque sou irmão dela.” A família toda era caçote, todos conhecidos por esse apelido. Caçote mais uma vez, preso, após uma tremenda mão de peia, foi queimado pela polícia no xadrez de Russas. O bicho ficou num aspecto monstrengo, com o corpo talhado de cicatrizes na sub-raça de miserável de feiúra e mistério. E quase como um morto horrendo saiu da cadeia pelas mãos do General Assis Bezerra, que conduziu a super-aberração para a capital, às pressas, num rápido helicóptero. Caçote, em carne viva como um cururuzão espantoso gabou-se com a monstruosidade: - “Fui queimado no xilindró por soldados de Russas, mas com o meu amigo General Assis Bezerra, voei de helikoptu.” Os Caçotes estão ameaçados de extinção.

 
Airton Maranhão
Advogado e escritor
Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

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