COLUNISTAS / AIRTON MARANHÃO (IN MEMORIAN)

MARIA PADEIRO

Airton Maranhão (in memorian)

10//2/07/1

Enviar por e-mail
Imprimir notícia

Coisas curiosas acontecem nos lugares onde o costume é uma crença, e numa calmaria de eternidade, as cegonhas fazem os ninhos ao lado das chaminés das casas. Como assim representavam para os escandinavos o símbolo de uma ave protetora e dócil, por dedicar com generosidade e delicadeza aos filhotes, o seu especial carinho de amor maternal, por lá, criou-se tradição que a cegonha era quem trazia os bebês das mulheres gestantes, para justificar o inesperado aparecimento de mais um vivente no lar. Tudo não passava de uma lenda, que somente se espalhou pelo resto do mundo, no século XIX. E quando muito cedo passei a ler os contos do genial mestre da literatura infantil, o dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), foi que entendi que meus irmãozinhos, com quase dez mil crianças, juntamente com este escritor, não fomos trazidos para este mundo, pela cegonha, dentro de um cueiro pendurado num bico córneo, como diziam nossos pais para as crianças daquela época. Mas sim, pelo singular ofício do partejo, compreendi que nascemos através de uma das funções mais antigas que se tem registro na história da humanidade, que é a de parteira. Nos registros bíblicos citam as parteiras Sifrá e Fuá que praticavam o trabalho de parto sem nenhum recurso técnico, distante da luz da ciência e do avanço da medicina moderna. Assim como a nossa Maria Padeiro, a tradicional parteira de Russas, Maria Augusta da Silva, a mais ilustre parteira do nosso berço natal, que dedicou a maior parte de sua vida à arte do partejo, sem nenhum vínculo pessoal com prefeitura, maternidade e hospital russano. Que sem as técnicas de parto higienizadas e sem risco, fazia o parto sozinha, media os três dedos, cortava o umbigo e o amarrava com o seu dom divino. Dava banho e botava a criança na rede, porque naquela época não havia berço. Tudo isso na efígie do partejar histórico de Russas, onde nunca ocorreu a morte de um bebê ou de uma parturiente, dando assim, a luz a quase dez mil russanos. Além dessa verdade, sem ter nenhum conhecimento científico moderno, onde tudo era atrasado, distante e difícil e sem transportes, ela assumia o seu papel de parteira, com madrugadas chuvosas, noites de neblina, tórridas areias brancas do Tabuleiro dos Negros, e onde quer fosse o lugar longínquo, casa sombria, sítios isolados ou na Coaça de Russas, Maria Padeiro ia fazer parto. Poderia chamá-la em sua residência, ela nunca dava um não, embora que tivesse doente ou cansada, tudo porque nunca fez do seu lar uma casa de parto. No seu ofício de parteira, o único vínculo que tinha era com Deus, com a parturiente e com a criança que estava para nascer. Nunca cobrava pelo seu trabalho e se recusava a receber qualquer presente. E após-parto, nas casas dos pobres, levava roupas, sapatinhos de bebê e até refeição para a mulher de resguardo. Maria Padeiro possuía a dádiva de parteira iluminada, destaque da vida de milhares de russanos, pelo dote divino na arte de partejar, que somente os seres exponenciais possuem esse dom de dar a luz à espécie humana. Com essas palavras, ouvindo a trilha sonora das batidas do meu coração, agradeço pela primeira vez que botei os olhos nesse mundo, para o repentino despertar do sol.

Airton Maranhão

Advogado e escritor

Membro da Academia Russana de Cultura e Arte – ARCA

Airton Maranhão (in memorian)

.Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – Unifor, advogado militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte.

Airton Maranhão (in memorian)

DEIXE O SEU COMENTÁRIO

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião da TV RUSSAS. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. TV RUSSAS poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

REDES SOCIAIS

  • Facebook
  • Twitter
  • Soundcloud
  • Youtube

©2009 - 2024 TV Russas - Conectando você à informação

www.tvrussas.com.br - Todos os direitos reservados